terça-feira, 24 de abril de 2018

A história do copo cheio e vazio, mas há mais... E a palhinha?

Já todos ouvimos falar na história do copo meio cheio, vazio, etc...

É uma imagem realmente interessante para tentarmos "materializar" a forma como a nossa mente processa o que nos rodeia, mas sobretudo o que nos permeia...

Se quisermos simplesmente assumir que a matéria que usamos para encher o "copo" é o conhecimento, as experiências, as sensações todos tenderemos a pensar... "quero ter o copo cheio".

Poucos serão aqueles que não querem saber mais, fazer mais, serem mais capazes, etc...

Mas aqui quando falamos de copo cheio, assumimos desde logo um limite, pois a partir do momento em que o copo está cheio, tudo o que vier a mais, transborda. Quer isto dizer que tudo o que vem a mais não é aproveitado, processado sequer.


E então o copo vazio? Quer dizer que não há nada no copo, que podemos enchê-lo à vontade, com tudo o que quisermos. No entanto não deixa de ser um copo, mesmo que vazio, um dia irá encher. Faz-me lembrar as crianças que tudo absorvem pois têm o "copo vazio".

Estas alusões servem muitas vezes para transmitir a ideia de limite em que as pessoas se encontram. O copo cheio pode simbolizar uma pessoa em ansiedade, do limite físico, mental e emocional... Já o copo vazio simboliza a disponibilidade, a tranquilidade a abertura, etc.

Mas...

Na realidade o copo nunca está vazio, a diferença é que, quando o enchemos de água vemos, quando retiramos a água ou outra matéria qualquer, esse espaço é ocupado pelo ar e todos as partículas, microorganismos que ocupam "esse espaço".

Por isso na realidade quando nos queremos esvaziar, não o estamos a fazer. Estamos a substituir o nosso estado, alterando-o por outro, melhor. E isso que na realidade acontece.

Sendo melhor, podemos ainda dar mais um passo. Tentar fazer como a palhinha... A palhinha não tem topo nem fim, nela tudo passa e nada fica. Ela não retém nada e por isso nunca enche. Por vezes está cheia, outras vazia, na realidade o seu estado reflete o presente. E é assim que devemos tentar ser, como uma palhinha. Lidarmos com o que nos rodeia sem nos fixarmos nas experiências, obstáculos e desafios. Simplesmente vivenciar, e agir de acordo com as situações.

Vivendo sempre, e apenas, o presente! Nada do que passou eu posso alterar, nada do que ainda não aconteceu me pode afectar. Apenas o presente interage comigo e é nele que devo viver.

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Sobre o Dan Tian

O que é o Dan tian?
Para que serve?
Como o utilizamos?

Vamos começar por entender o significado através do caractér  - 丹田

Tian quer dizer campo, terreno, espaço. É muito empregue na agricultura (nongtian - campo cultivado; miantian - campo de algodão; feitian - terreno fértil...).
É curioso este termo ser empregue na prática alquímica, ou nem tanto. Ora vejamos; em primeiro lugar são vastos os casos na cultura chinesa em que se estabelecem analogias entre a natureza, o cosmos e o Homem. Isto porque se acredita que Homem e natureza obedecem às mesmas leis.

  • Os trigramas são um reflexo claro deste pensamento. Nos trigramas o yao inferior está relacionado com a terra, o médio com o homem e o superior com o céu. Os trigramas explicam a relação entre estes três níveis, mostrando também que o que há em cima também há em baixo. 
  • O símbolo do Taiji é outro dos casos mostrando como a dualidade está na base de toda a vida. Então há uma base energética comum em todas as manifestações diferenciadas. O mesmo princípio, a mesma lei

É mais fácil entender esta relação de "terreno"

Explorando então um pouco mais o caractér podemos supor que o terreno que temos pode ser cultivado e nele pode gerar o que semearmos. Sejamos nós suficientemente cuidadosos e trabalhadores para desenvolver a nossa colheita. Sabemos também que para que um terreno dê frutos, é também importante que os factores naturais sejam propícios, que chova na altura certa, que não faça demasiado calor, etc. Podemos então estabelecer que no "nosso" terreno há também factores externos que podem promover ou contrariar o desenvolvimento da nossa produção. Neste caso a forma como vivemos, as pessoas com quem lidamos, os estilos de vida que levamos.

Dantian - É muitas vezes traduzido, sobretudo nas tradições alquímicas como o campo do cinábrio ou a região do umbigo. Na prática alquímica, quando referido o Dantian, geralmente falamos então desta região entre o umbigo e a sínfise púbica. É na realidade na baixo ventre. Existem muitas figuras clássicas nos textos representando um ser nesta região como se o Homem gerasse um novo ser. Para concluir a localização, é fácil entender o Dantian como a região onde o feto se desenvolve na mulher. É na realidade toda essa região que tem um potencial energético enorme e, se for devidamente trabalhado pode gerar um novo ser. Pela via biológica gera uma nova vida, através da mulher e pela via energética gera o potencial máximo do ser espiritual.




Para que serve?

Já foram dadas algumas luzes no parágrafo anterior. O Dantian é um centro energético (na realidade existem 3! Shang Dantian, Zhong Dantian e Xia Dantian comummente chamado de Dantian). 
Este centro é a origem de toda a energia. É onde se situam os Rins que armazenam o Yang Qi e Yin Qi essencial, onde se armazena Jing Qi, a poderosa energia sexual que dá origem à forma e que se pode transformar em energias mais subtis e Yuan Qi, a energia ancestral.

É também a partir deste centro que se formam todos os canais, Du mai e Ren mai os famosos canais trabalhados na órbita microcósmica e os que veiculam as energias originais Yang e Yin respectivamente, bem como os restantes canais curiosos e, mais tarde, os canais designados de principais. Podemos então entender a importância desta região. É onde tudo nasce!

A importância de estimularmos o Xia Dantian ou o Dantian, é a de mobilizarmos a energia essencial e original por todos os canais, por todo o corpo. O objectivo é o de refinarmos esta bateria, de a activarmos, para que todo o corpo possa beneficiar da energia lá acumulada. 
O Dantian é O grande armazém de energia do corpo e é por isso crucial activá-lo se queremos que a nossa prática alquímica tenha lugar

Como o utilizamos?


Começamos pela respiração. Grosso modo existem três tipos de respiração:
  1. Torácica
  2. Abdominal
  3. Completa

A primeira é a geralmente utilizada no dia a dia por 99,9% da população. É mais curta e de ritmo mais rápido, eleva a energia para o plexo cardíaco (zhong Dantian). Tem vários efeitos; activa o nosso lado emocional, sobe o centro de gravidade e torna-nos mais impulsivos, reactivos.

A respiração abdominal é aquela que procuramos desenvolver nas práticas alquímicas. Nesta respiração distendemos o diafragma para que o ar possa preencher a região inferior da cavidade pulmonar. Uma das consequências físicas neste processo é a distensão da barriga, períneo e região lombar, na respiração. Na respiração abdominal temos ainda muitas variações, há no entanto duas mais conhecidas:
  • Respiração abdominal budista ou normal - Nesta respiração, quando inspiramos o diafragma distende, obrigando também à distensão do baixo ventre, períneo e região lombar. Quando expiramos o diafragma retorna à sua posição de inicial, libertando o Dantian e tendo como consequência o retorno do baixo ventre, períneo e região lombar às suas posições originais.
  • Respiração abdominal daoista ou invertida - Nesta respiração, quando inspiramos o diafragma distende, mas em vez de deixarmos livremente as restantes estruturas distenderem provocamos o movimento oposto, ou seja, retraímos o baixo ventre, períneo e região lombar. Na expiração tudo é libertado. 
Enquanto que a respiração budista é mais apaziguadora e reguladora, a respiração daoista activa de forma intensa a energia existente no Dantian. A primeira é a mais segura e aconselhável para aqueles que estão a iniciar a prática.

A respiração completa é aquela que preenche toda a cavidade respiratória, desde a cavidade inferior como superior dos pulmões, fazendo uso de toda a capacidade pulmonar. É uma excelente forma de energizar todo o corpo, bem como de serenar a circulação energética.

Após praticar a respiração é fundamental colocar a mente em todo este processo. Fazer uso da técnica respiratória já é muito bom, mas não é suficiente. Para que o Dantian seja realmente activado é necessário colocar a mente em todo o processo. E aqui se inicia uma caminhada complexa cheia de pequenas rasteiras. O entendimento deste processo pode levar anos, até mesmo décadas a acontecer. É no entanto simples! depois de o descobrir...

Colocar a mente na respiração, não é aplicar a qualidade da concentração na área que pretendemos (dantian), não é também aplicar a vontade de sentir dantian. Colocar a mente na respiração, ou melhor, no Dantian (em toda a sua tridimensionalidade) é observar, escutar, sentir tudo o que acontece nesta região e sem qualquer esforço mental ou físico, em puro estado de tranquilidade mental e relaxamento físico. Se o conseguirmos fazer, mantendo o foco no Dantian, vamos começar a sentir um novo mundo a ser activado. Como se tivéssemos um outro corpo escondido dentro de nós, que antes estava adormecido e agora acordou...

A mente e como trabalhar com ela na prática do Qi Gong, ou nas práticas de Nei Gong é fundamental!!! É, em meu entender, a chave que nos permite abrir as portas para o mundo novo, o nosso verdadeiro crescimento.