Disciplina - a palavra tabu
A prática interna ou Neigong (内功) é um conjunto de tudo e de nada, mas como o Mestre Adam Mizner simplifica, é o trabalho ou transformação que ocorre no interior.
Já abordei especificamente o conceito de Neigong anteriormente e por isso, o meu objectivo neste artigo é de falar da disciplina.
Todos nós queremos algo na vida, qualquer pessoa tem um objectivo na vida. Na realidade todos nós temos
vários. Temos objectivos diários, temos objectivos não exigíveis (coisas que gostaríamos de alcançar mas que aceitamos não conseguir) e objectivos que orientam a nossa vida. Diria que os últimos são mais marcantes.
E quando alguém tem um objectivo só há uma forma de o conseguir, pelo menos se estar sujeito à fortuna, é trabalhando arduamente para o alcançar. Todos sabemos disso.
Na prática interna não é diferente. Se há aprendizagem a retirar da prática interna é a exigência que esta nos obriga para que a transformação seja real e consistente.
Bem sei que muitos consideram que a prática interna deve ser feita com um fundo de motivação (estou totalmente de acordo), mas o problema é então estabelecer o que é a motivação? Pois muitos praticam quando estão bem dispostos, quando estão com o "feeling", quando se encontram numa floresta mágica ou numa praia paradisíaca.
Para que fique bem clara a minha opinião, toda e qualquer prática é benéfica para o praticante. Praticar um dia e melhor que não praticar nenhum… Sem sombra de dúvidas
Mas será eficaz (para cumprirmos com o nosso objectivo pré-estabelecido, essa sim a verdadeira motivação) praticar de vez enquando quando "nos sentimos" dispostos ou motivados?
Creio que não. Em primeiro lugar porque essa aparente motivação é precisamente aquela da qual nos devemos libertar é uma faceta do desejo. Uns dias queremos outros não.
Algum pai se imagina uns dias estar com os seus filhos outros não?
alguém pondera uns dias trabalhar outros não?
Ora por princípio, essa postura não se apronta como mais correcta. Mas podemos ir ainda mais longe. Para que a prática interna seja realmente produtiva ela deve decorrer com consistência e continuidade. Estamos a contruir um corpo novo e para tal não podemos parar a obra e recomeçá-la noutro dia qualquer.
O que acontece a uma obra parada? os materiais começam a deteriorar-se e quando quisermos recomeçar, não recomeçamos do ponto em que paramos anteriormente pois temos de voltar a reabilitar o material estragado. Pois o nosso corpo é semelhante.
É por isso que a disciplina deve guiar aquele que encontrou a sua motivação e que definiu o seu método. Deve trabalhar arduamente na busca do seu objectivo não questionando pequenos ganhos ou perdas, simplesmente focado na sua prática. Na realidade a disciplina é parte do processo transformador.
E é precisamente disso que estou a falar e sobre a qual quero partilhar.
Nos últimos anos tenho combatido os desejos que me puxam para um lado e para o outro, que me mantêm na instabilidade. Tenho rumado no sentido da estabilidade da prática que é também a estabilidade da mente. A prática regular permite alcançar resultados a médio prazo mas garante, a curto prazo, um domínio sobre o desejo, a tentação e o sedentarismo. De uma forma mais geral, a disciplina descola do nosso corpo a fervura da emoção. A disciplina liberta-nos dessa escravidão e instabilidade.
Muitos dirão que a disciplina é sinal de obstinação, fanatismo. Mas não é o mesmo.
A disciplina é a capacidade de prosseguir com uma tarefa de forma regular e consistente e consciente
Poderão também argumentar o mais importante é praticar motivado mesmo que assim esta se torne irregular, ao contrário da pratica diária mesmo com períodos em que nos encontramos "contrariados". É verdade que se eu estiver num dia não, a prática desse dia sofrerá as devidas consequências mas existem ganhos inabaláveis. É que "água mole em pedra dura tanto bate até que fura", já diz o ditado português. E quando o nosso corpo (mente) se habitua à prática, deixa de o questionar. Logo deixa de ser um obstáculo. Quando vamos para a nossa prática diária, a mente deixa se ser um inimigo e passa a posicionar-se de forma neutra permitindo assim a que esse momento frutifique.
A minha prática tem me mostrado que a disciplina é a chave para a transformação, a consistência da prática, a entrega e sinceridade como que a fazemos.
Mas aqui, é também importante não resumirmos a prática interna a uma postura física ou a um exercício particular. A prática diária pode ser executada de diversas formas embora seja recomendável a existência de um método como fio condutor.
Se analisarmos os princípios das diversas artes marciais veremos como a disciplina se apresenta como uma qualidade básica. Para quem já praticou artes marciais ou pratica, sabe do que falo. Mas também, como referi acima, podemos verificar a sua importância em qualquer outro aspecto da nossa vida que se mantenha a médio ou longo prazo. Em todas essas situações nós podemos verificar que aquele que é dotado de resiliência, sacrifício consegue levar "a água ao seu moinho".
Em todos estes anos a que me tenho dedicado às práticas internas posso constatar que as transformações são inúmeras nos mais diversos aspectos, mas aqueles que mais valorizo são os que se estendem a todas as esferas da minha vida e essas são as transformações da mente