a) A vida na ermida - O homem que abandonou a sua pátria deve viver numa ermida. A ermida é um lugar onde o corpo encontra descanso. Quando o corpo chega à quietude, o espírito também encontra a paz. Tanto o Qi como o Shen passam a ficar harmoniosamente equilibrados, de modo que o homem pode enveredar pelo caminho verdadeiro. Não se deve trabalhar em excesso; a estafa enfraquece a energia vital. É preciso movimentar-se para que o sangue e a energia vital não fiquem estagnados e se congestionem. O movimento e o descanso devem alternar-se regularmente. Além disso, é preciso contentar-se com a sua sorte. Desse modo, habitar-se-á em paz.
b) O acompanhamento do percurso das nuvens - Há duas maneiras de peregrinar. Na primeira, admira-se a luminosidade e a beleza das montanhas e da água, o vermelho e o verde das flores e das árvores; desfrutam-se a movimentação e os divertimentos da cidade e do campo; admiram-se as torres e os monumentos dos tempos; visitam-se amigos e tem-se interesse pelas belas roupas e boa comida. Um homem que faz isso pode viajar milhares de quilómetros, cansar-se e exaurir toda a sua potência e energia correndo atrás de todas as maravilhas do mundo; o sei espírito fica confuso, e a sua energia, tolhida. Um homem assim segue em vão o percurso das nuvens.
A segunda maneira de peregrinar busca a natureza e a vida (Xing ming), procura as profundezas secretas e não recua diante de altas e escarpadas montanhas para consultar um mestre iluminado; percorre longos trajetos e atravessa caudalosos rios na incansável busca do Tao. Ao ouvir uma única palavra de vida, surge para o viajante a luz pura, e ele reconhece o mistério da vida e da morte e torna-se um homem de verdade. Um homem assim é um peregrino no verdadeiro sentido da palavra.
c) O estudo dos livros - Ao procurar a sabedoria nos livros, não convém fatigar os olhos com a leitura. O principal é compreender o sentido e apropriar-se dele. Pode-se então deixar o livro de lado e ocupar-se depois com sentido, abandonando-o em seguida para buscar a própria motivação; deixa-se a seguir a motivação e volta-se a vista para a conclusão. Alcançado este resultado, deixa-se quenele se fixe profundamento no espírito. Procedendo-se assim durante bastante tempo, surgirá espontaneamente a compreensão pura, a luz do espírito fluirá livremente, o espírito da sabedoria pura (Qi-Shen) percorrerá o seu caminho e não haverá lugar onde nâo penetre e que não fique pleno dele. Ao ser atingido esse ponto, dever-se-ia guardá-lo no íntimo, enpregando-se todas as forças para não se desviar dele a fim de não perder a natureza e a vida. Se não se deixar que o sentido de um livro se torne vivo no mais íntimo do nosso ser, desse modo, e se apenas forem amontoados no nosso interior, pensamentos e conhecimentos para ostentação e vanglória, o livro não terá valor e trará prejuízo ao espírito e à energia. Por mais livros que se possa ler, isso será inutil para o Tao. Para compreender um livro, é preciso deixar que ele penetre no nosso interior.
d) A coagulação das substâncias do elixir - As substâncias do Elixir são a força da montanha e do rio, e a essência fugiidia da erva e do arbusto. A essência deve ser estimulada ou diminuída pelo aquecimento ou arrefecimento. A essência deve ser eliminada ou combinada com outras substâncias pela condensação ou diluição. O buscador do Tao deve reforçar a natureza e a essência de um homem e despertá-lo para a vida e não, como um médico cego, aniquilar a aparência e o corpo de quem procura auxílio. Não há outro caminho para ajudar um homem que busca o Tao. O buscador do Tao também não se deve ligar ao que procura ajuda, porque exporia o tesouro oculto ao perigo. Não se deve vemder a ajuda por bens e riquezas terrenas, nem se deve esgotar a energia interior no cumprimento das obrigações, pois, desse modo, a vida actual e a recompensa de uma vida futura seriam colocadas em risco.
Meus discípulos, observem bem tudo isto!
e) A construção de uma clausura - Para abrigar e proteger o corpo, deve o buscador do Tao contruir em si uma clausura, com telhado de palha e camadas de folhas, porque dormir em campo aberto e molhar-se de orvalho pode expor o homem ao perigo, e as fases alternadas de Sol e Lua podem causar-lhe prejuizos. Mas uma personalidade superior tampouco irá construir para si uma casa elevada e sumptuosa, com vigas talhadas; como um palácio assim poderia ser a morada apropriada para um buscadir do Tao? Ele deve cortar àrvores, estancar as veias secretas das àguas perigosas que existem sob a Terra, desfazer-se dos seus bens e riquezas e desatar os laços de sangue e de família. Observar somente a forma exterior sem cultivar o exercício interior é como querer saciar a fome com um bolo pintado ou comer neve em vez de alimento. Toda a energia é esbanjada por nada. Quem quer obter sunyata, vivenciá-lo e passar a sê-lo, deve procurar o castelo da paz em seu interior o mais rápido possível. A morada exterior em nada contribuiu para essa experiência; ela se decompõe em pouco tempo. Meus sábios amigos, procurem cuidadosa e escrupulosamente!
f) A conquista dos amigos do Tao - Os buscadores do Tao tornam-se amigos para se socorrerem em caso de doença. Se o meu amigo morrer, eu enterrá-lo-ei. Se eu morrer, ele enterrar-me-á. Porém, antes de eleger alguém como amigo, o seu carácter deve ser analizado com cuidado, deve ser feito amtes, e não depois de se estabalecer o vínculo da amizade. As pessoas não se devem ligar umas às outras para que não se tornem mutuamente dependentes; isso seria como algemar a alma. Não é preciso fugir do amor, porque, sem ele, a pessoa ficaria só e perdida. É necessário aprender a amar sem se prender; isto é o correcto. No amor e na amizade vale a pena observar três virtudes e evitar
três defeitos: clareza de espiríto, sabedoria e zelo (vontade) - são as virtudes; incensatez, apego às formalidades, estupidez, desorientação confusa como sintoma de que o fluxo vivo da energia está a esgotar-se e é esbanjado - são os defeitos. É possível encontrar-se a si mesmo no campo e n floresta. Só se pode conquistar amigos com alma e vontade. Ninguém se deve entregar às suas inclinações, que escolhem um homem pela aparência; é preciso escolher um homem puro e de elevada inspiração. Esse é o único modo correcto de se fazer amigos.
g) Como "sentar-se em silêncio" de modo correto - "Sentar-se em silêncio" corretamente não é apenas permanecer sentado com os olhos fechados; essa seria uma posição meramente fictícia. Na verdadeira "posição sentada para meditação"' o espírito deve assemelhar à montanha Tai (Tai Shan); de modo inabalável e imóvel, é preciso vigiar as quatro portas (olhos, ouvidos, boca e nariz), não permitindo que o mundo exterior entre. Se o menor movimento de um pensamento for despertado, se a concentração se desviar apenas por um instante, isso já não é mais meditação. Um homem versado nessa posição de sentar em silêncio encontrará o seu nome inscrito no livro da vida, mesmo que siga a sua profissão em meio ao mundo de sombras. Não precisa empreender longas peregrinações, porque, depois dos cem anos de prova, a sua sabedoria e prudência deixarão cair os envoltórios exteriores, fazendo surgir o verdadeiro eu. Logo que o Elixir se manifesta, não há mais limites para o espírito (Shen), e ele abrangerá o cosmo.
h) Como refrear a alma - Ao se deixar a alma na profunda quietude, isenta das aspirações conscientes, permanece-se imperturbado pelas míriades de fenómenos; na profunda quietude, não tocada pelo exterior nem pelo interior, nem mesmo o mínimo pensamento se move. É esse o espírito da quietude; é preciso cuidar para que nada perturbe esse estado. Ao se deixar que o espírito se dedique aos fenómenos, ele tentará desvendar o caos e isso causará distração e apartamento. Deve pôr-se termo a tal preocupação o mais rápido possível, porque ela destrói o mundo interior e permite que a energia vital se esvia. Quer se
esteja descansando ou andando, sentado ou deitado, deve-se frear a visão e a audição constantemente, porque ouvir e perceber trazem doença e sofrimento.
i) Como manter a natureza pessoal em equilíbrio - A natureza inerente ao homem assemelha-se à corda de uma harpa. Se for esticada com demasiada tensão, ela parte-se; se estiver frouxa demais, a harpa fica desafinada. O tom certo deve ficar no meio, entre a tensão e a frouxidão. Dá-se exactamente o mesmo quando se forja uma espada; se houver aço a mais, a espada ficará sem maleabilidade e irá partir-se; no entanto, se houver excesso de estanho, a liga irá ficar demasiado mole, e a espada irá tornar-se inútil. Só a mistura certa de aço e estanho fará a espada tornar-se útil. Procedendo-se exatamente dessa maneira com a natureza interior, a sabedoria se manifesterá por si mesma.
j) A fusão dos cinco elementos - Desse modo, os Cinco Elementos ( o qi dos cinco elementos de que o homem e o universo se compõem) devem ser recolhidos no Palácio do Centro, e os três fundamentos (san yuan, o qi das três preciosidades, ou seja, a semente do Campo Inferior do Elixir, o qi do Campo Central do Elixir e o espírito do Campo Superior do Elixir), no Palácio do Céu, no vértice da cabeça. O Dragão Azul vomita vapor Vermelho, e o Tigre Branco bafeja fumaça preta. A multiplicidade divina desperta, e os cem pulsos batem harmoniosamente. O Elixir e a areia se separam, e o chumbo e o mercúrio se amalgam harmoniosamente. Desse modo, o corpo ainda pode estar na Terra, no meio dos mortais, mas o espírito eleva-se ao Céu.
l) Como a natureza espiritual surge na vida - A natureza (xing) é espírito, e o qi é vida, a energia vital da matéria. A natureza manifesta-se na vida como um leve levantar de asas - como se um pássaro fosse alçado pelo vento, sem esforço - para a realização pura. Faz-se referência a isso, quando, Yin fu jing, o livro das correspondências secretas, se afirma: "O qi parece-se com o vôo do pássaro". Os buscadores da verdade devem exercitar-se nisso; mas nada devem revelar à massa inferior. A natureza e a vida são fundamentos do exercício. Deve-se almejar isso com toda a humildade e zelo.
m) O caminho para a santidade - Para se encontrar o caminho que leva à santificação, é preciso faer um esforço árduo durante muitos anos, conquistar merecimentos e dedicar-se ao exercício. Só um homem com dotes incomuns de sabedoria e experiência é capaz de enveredar pelo caminho que leva à santificação. O seu corpo pode morar num pequeno espaço, mas a sua natureza espiritual abarca todo o universo. As hostes dos santos divinos protegem-no secretamente, e ele é rodedo pelos imortais (xian) do infinito (wuji). O seu nome está no livro da vida, e ele ocupa o trono dos imortais. O seu corpo habita, durante certo tempo, o pó, porém o seu espírito brilha além da aparência.
n) A transcendência do mundo tríplice - Ao ser capaz de pôr termo aos próprios pensamentos, o homem transcende o mundo das cobiças (kumadhatu). Ao ser capaz de retirar o espírito de todas as imaginações, ele transcende o mundo das aparências (rupadhatu). Deixando de se apegar ao vazio, (sunyata), ele transcende arupadhatu, o mundo do não-formado. Após ter atravessado essas três fases, o seu espírito mora com os Imortais no Infinito, e a natureza do seu espírito atinge a esfera da pureza de jade (yu jing).
o) A nutrição do Espírito - O corpo dharma surge na esfera do não-formado (wu-xing). Ele não é não-ser nem ser. Não tem parte da frente nem de trás nem em cima nem em baixo, não é comprido nem curto. Quando o homem se serve dele, não há nenhum lugar onde ele não possa penetrar. Ele é quieto e escuro e não lança sombra. Quando se reconhece o Tao, ele se nutre. Quanto mais é nutrido, mais merecimentos adquire. Não se deve desejar voltar (para este mundo). Não se deve ter apego amoroso a este mundo. Mas o desapego e o apego realizam de acordo com suas próprias leis.
p) O abandono do mundo - Abandonar o mundo não quer dizer abandonar o corpo. Isso refere-se ao mundo espiritual. O corpo assemelha-se às raízes do lótus; o espírito, à sua flor. As raízes permanecem no lodo, mas a flor abre-se para o céu. O homem que pratica o Tao leva uma vida comum, porém a sua alma habita no Santificado. Hoje em dia, busca-se a imortalidade, renunciando ao mundo cotidiano; isso é simplista e não corresponde à verdade do Tao.
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