terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Dui La 对拉

Há uns tempos tornei-me familiar com este termo. Foi numa formação com o Sifu Adam Mizner em que nos foi pedido para aplicar o princípio de Dui la num exercício.

Na prática de Tai ji, entre muitas coisas, procuramos desenvolver o nosso corpo para que este abandone toda a tensão e para que as articulações possam ganhar toda a sua amplitude. O objectivo é livrar o corpo de qualquer bloqueio para que a energia possa circular verdadeiramente por todo o corpo.

Uma das zonas que é importante trabalhar é a coluna, a coluna faz a ligação entre a parte inferior e superior do corpo, a ligação entre os Dantian's. É então fundamental tornar a coluna uma estrutura viva e para isso é importante "regenera-la"

DUI LA

Dui 对 - Par, estar face a, oposição, responder, corrigir. 
Dui transmite a ideia da existência do número dois, de alo feito em par e de oposição

La 拉 - Arrastar, desenhar, puxar, tocar (um instrumento), segurar...
La implica movimento

O termo Dui la é usado na pratica de Taiji para transmitir a ideia de separar os tecidos. No caso da coluna, alonga-la, abrir toda a coluna (afastando o crâneo do sacro, promovendo a separação entre todas as vértebras). 

É um termo que vim a entender como muito importante no processo alquímico e é um dos exemplos em como o trabalho físico tem uma aplicação energética tão determinante. Por mais que julguemos estar evoluídos do ponto de vista energético se o corpo estiver bloqueado essa energia não circula e poderá mesmo provocar problemas sérios. 
É portanto fundamental que o trabalho dito energético seja acompanhado pela transformação física.

Este é um príncipio que podemos e devemos aplicar a todo o corpo e quando as fáscias estiverem todas libertas toda a energia circulará livremente pelo corpo

Boas práticas!!!






quarta-feira, 30 de outubro de 2019

O Dao e a minha caminhada alquímica - Post 06 - Aproveitem a viagem


“aproveitem a viagem” – Sifu Adam Mizner


No início da minha caminhada consciente, comecei pelo estudo de textos daoistas, contemporâneos e clássicos. Ainda antes disso havia sido iniciado na prática do Qi gong por mestre chinês transportava todo o seu entendimento através da sua linhagem.

Este foi o meu início. O que me levou a decidir começar esta longa caminhada foi a minha mente obstinada. Racionalmente entendi parte da profundidade de toda esta forma de vida e decidi por isso tentar absorve-la.

Vim contudo a entender mais tarde que sem entrega nunca conseguiremos alcançar o que pretendemos. Pois para que o corpo sofra as alterações necessárias para nos transcendermos é fundamental que estejamos de corpo e alma e não apenas com uma parte…


Esta frase simples e aparentemente superficial “aproveitem a viagem” refere-se a isso mesmo. Mais do que o treino ser uma tarefa/obrigação para podermos chegar a algum lado, o treino deve ser o nosso objectivo! Devemos estar apenas focados no treino e não nas suas consequências (o que pretendemos). O treino deve ser uma fonte de alegria e satisfação e não o picar o ponto para mais tarde retirar os louros. E é na realidade com esta postura que as consequências do treino (o nosso objectivo) se tornam mais possíveis de acontecer, pois estamos de “corpo e alma”


Partilho o que sucedeu comigo há dias…

Após um fim-de semana difícil em que fui privado de um bom sono e também estive sujeito a níveis de stress acima do normal, senti-me mal…

No domingo senti-me literalmente mal… Não chegou a ter um impacto físico importante pois identifiquei o que estava a suceder a tempo, mas posso dizer o meu coração não estava muito bem…


Ao sentir-me assim recorri ao meu melhor remédio, o Nei gong. Saí e fui para o jardim, era já noite quando isto aconteceu.

Cheguei mesmo a sentir um misto entre dormência e pequenos choques entre o peito e ombro. Estava nervoso por dentro e já um pouco fatigado devido à agressão que induzi a mim mesmo após me exaltar…


Comecei então a minha prática habitual começando com Ji ben gong, exercícios de aquecimento e abertura do corpo. Depois fiz Zhang zhuan para tentar recuperar um pouco toda a energia perdida tendo depois praticado alguns exercícios de Song gong bem como para reforçar o Dan tian.

1 hora depois tinha o corpo seguro. A tensão desapareceu, a energia voltou a circular no corpo tendo atingido os níveis mínimos para que me pudesse sentir bem. Sentia-me contudo cansado, mas calmo.


Pude verificar o que os clássicos dizem sobre as emoções e a importância de as dominarmos, sob o perigo destas poderem ser destrutivas.


A nossa prática deve tornar-se parte integrante de nós. 
Um prazer, uma rotina, um tratamento…

Devemos ser disciplinados? Sim! Mas é importante também que no meio da rotina e disciplina haja espaço para o bem estar, pois se isso existir o corpo reage rapidamente e as transformações são efectivas!

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

O Dao e a minha caminhada alquímica - Post 05 O caminho


Sem dúvida que o maior desafio de todos, quando decidimos enveredar pelo caminho da transcendência, é a disciplina. Ser capaz de continuar o trabalho de forma regular e consistente, motivado e focado sem nos deixarmos desviar do nosso objectivo.

Num mundo em constante mudança e em que somos constantemente estimulados a seguir diferentes direcções é nos exigido um grande trabalho para que consiguemos permanecer com o nosso plano sem o mínimo desvio de atenção



No clássico alquímico Escrituras preciosas dos 9 realizados é dito o seguinte:


…”a alquimia não funciona se fores inconsistente. Se a praticares quando estiveres bem disposto, mas depois distraído pelos acontecimentos e negligente quando a disposição desvanece, então o teu espírito é influenciado e a tua energia desaparece quando não estás a praticar, como alguém que não tem prática alguma. Mesmo que voltes a ter disposição para voltar à prática, será como fiar com demasiados fios em falta, não terá qualquer eficácia.


Gostamos de pensar que devemos seguir a nossa motivação e não nos devemos forçar, relativamente à mente. Este excerto mostra o quão erradas estão as pessoas que pensam assim. O processo alquímico é um processo de construção ou reconstrução. Não pode ser parado a metade, não deve ter pausas nem distrações. Aquele que envereda o caminho deve saber de antemão, o quão difícil é e a tamanha exigência que lhe será pedida.


”… neste processo, a não ser que te foques no desenvolvimento da tua força de vontade, é altamente provável que desistas algures no caminho. Então deves ter uma determinação inquebrável, pensamento persistente, uma energia; primeiro liberta-te de ti mesmo…”


Esta é, a meu ver uma grande ilusão vivida por todos os que praticam, como eu, a via alquímica, mas existem outras…


“…primeiro liberta-te de ti mesmo…”


Esta ideia é de tão profunda e complexa que nos obriga a fazer uma enorme reflexão.


O que será libertar-me de mim mesmo?


Deixo que essa reflexão seja feita por cada um de vós…


segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Os 6 níveis de Song

O desenvolvimento de Song é critico mas a mestria do Tai ji chuan. Existem 6 níveis para a mestria de Song.

  1. Song Kai (松開) - Song de "abertura" - Abertura das articulações e relaxamento dos músculos para que o Qi possa começar a mover-se.
  2. Song Chen (松沉) - Song do "enraizamento" - Relaxamento de todo o corpo mas especialmente da região da virilha (Kua) para que o Qi possa "enraizar" no Dan Tian e depois relaxar as pernas para que o Qi possa enraizar para os pés.
  3. Song San (松散) - Song de "dispersão" - Chegados a este nível significa que já é possível dispersar o Qi para os membros... o Qi nunca chegará aos dedos enquanto este nível tiver sido atingido.
  4. Song Jing(松淨 ) - Song "limpo" (também conhecido como Fang Song - Completamente relaxado ou Song puro)... Este nível é atingido quando a mente está de tal forma tranquila que podemos voltar ao estado da mente de um bébé, livre de preocupação. Este estado é necessário para Shen Ming ou o estado do espírito tranquilo e sem receio que possamos morrer.
  5. Song Tong(松通) - Song "comunicante" - A este nível podemos permanecer em estado de Song quando lidamos com a força dos nossos oponentes e lidarmos com eles sem que possamos desenvolver qualquer tensão muscular. No final, o mais suave do suave é o mais duro do duro… O oponente nunca irá encontrar tensão na nossa "suavidade" quando chegarmos a este nível de Song.
  6. Song Kong (松空)- Song "vazio" - Este é o estado mais elevado de Song e é a base para a frase "Eu sozinho conheço o oponente e ele não me conhece a mim". Neste estado, conseguimos desligar a capacidade do oponente nos "escutar" (Ting) e atacar livremente.

Os 3 primeiros são treinos para Song, o 4º é o estágio final para o Song "estático". Os últimos 2 são os níveis avançados do Song "dinâmico ou Song de "combate"



Texto retirado e traduzido de Openmindspace.org/



Esta é uma forma discriminada  e analítica sobre o estudo de Song. Não deve, no meu entender, ser levada à letra. Contudo revela a importância deste tipo de treino que se encontra especialmente presente nas técnicas d Zhan Zhuang (posturas estáticas)



Ver mais em Song


terça-feira, 16 de julho de 2019

O Dao e a minha caminhada alquímica - Post 04 O sofrimento

O meu primeiro contacto com a prática interna foi em 2002 quando comecei a estudar chinesa. Na altura tive dois professores marcantes. Enquanto que um me ensinou as bases da medicina chinesa transportando no processo toda a riqueza filosófica desta ciência, o outro me aprofundou o trabalho alquímico através do Qi Gong. 

Na altura era tudo muito estranho/mágico para mim e pouco pude beber de tanto conhecimento que me foi passado. 

Começo o post desta forma por uma razão. As pessoas com as quais tenho contactado têm a noção que a prática interna promove uma melhoria gradual e evidente em quem o pratica. Eu quero dizer não! Não é bem assim…

Sim a prática interna tem o propósito de nos elevar, transformar na direcção do Homem superior ou verdadeiro 真人 (Zhen Ren). 

Mas embora esse seja o propósito isso não quer dizer que o caminho será cada vez melhor e mais florido. Na realidade a caminhada está recheada de desafios. 


Quero falar disto porque são muitas as pessoas que desistem ao primeiro obstáculo. São muitas as pessoas que duvidam e que põem em causa o método pois acham que se possuem uma prática interna ele deve servir para se sentir melhor e nunca pior. Pois, mas não!

A prática interna não serve os interesses do ego. É um método que nos eleva, dispersando as impurezas e criando condições para que o corpo se transforme

Na realidade todo o praticante que se entrega e que é sincero, vai sofrer. E o processo de sofrimento ocorre pela resistência que nós próprios oferecemos no acto de nos libertarmos de algo. Este sofrimento vai desde situações físicas como emocionais e mentais. 
É muito comum e por isso muito provável que aconteça em certa medida a todos os praticantes. 

Mas então sofrer é sinal de pratica interna? Não!

Obviamente que esta não pode ser uma forma de validar a nossa prática, até porque é muito possível que se ela for errada nos provoque sofrimento mas destrutivo…

O que nos deve guiar é o método. É fundamental ter um método bem definido e um mestre a quem possamos recorrer. 

Mas é muito importante estar preparado para o sofrimento pois este estará certamente presente na caminhada de cada um.

Nos meus anos de prática têm-me surgido diversas coisas, algumas muito complexas e que me levaram a duvidar da minha prática, mas a persistência e o tempo foram-me provando que eram apenas consequências da transformação do corpo. 
Hoje, olhando para trás e para o que aí virá, vejo como inevitável o sofrimento. Na realidade quando nos queremos "libertar" temos de entender que isso exige um esforço, esse esforço traduz-se sob a forma de sofrimento. Mas quando a libertação ocorre o estado alcançado justifica todo o esforço.

O caminho não é fácil, mas sem dificuldade o objectivo é inalcançável

sexta-feira, 12 de julho de 2019

A via para a vida eterna através da percepção do espírito vital

O clássico "Taoismo prático", do séc XXI é atribuído a Zang Ziyang. É também considerado, juntamente com a "Unidade Tripla", as principais fontes de alquimia interna conhecidas também como os tratados alquímicos dos ancestrais.

No capítulo: A Via da vida eterna através da percepção do espírito vital (Bases da alquimia: O absoluto, yin e yang, substância e função), Yi Zhenzi diz:

"O físico não pode produzir o físico; o que produz o físico não é físico, é a energia. O que produz a energia não é a energia, é a Via."

Ele diz também, "A miríade difere na forma física muda e não permanece. Mas a energia imutável desvanece, enquanto que a causa da imutabilidade permanece."

Embora a via da feitiçaria não vai para lá do yin e yang e dos 5 elementos, contudo yin e yang e os 5 elementos não podem subsistir sem o absoluto. O absoluto é a lei unificadora do yin e yang e dos 5 elementos. Se quizeres operar yin e yang e os 5 elementos no corpo, de maneira nenhuma deves colocar o esforço no yin e yang e os 5 elementos. Deves concentrar-te no absoluto, praticando estando não-nascido; então yin e yang e os 5 elementos irão operar espontaneamente e naturalmente sem ser necessário operar neles. Esta é uma verdade desconhecida que trás toda a matéria por chegar à sua essência. Se estás confuso sobre isso e trabalhas em operar yin e yang e os 5 elementos, bom, yin e yang e os 5 elementos não são coisas que possam ser operadas através do conhecimento humano ou técnica. O mínimo desvio na prática pode levar a centenas de acontecimentos bizarros; podes bem caminhar para a tua morte sem retorno, por fim incapaz de operar yin e yang e os 5 elementos.

Este texto deve ser guardado religiosamente por todos aqueles que procuram a transcendência, pois contém uma sabedoria invulgar e uma clareza não muitas vezes encontrada nos textos clássicos. Yi Zhenzi é muito claro ao afirmar que não devemos procurar controlar os acontecimentos internos mas sim levar o nosso foco para o absoluto, o Dao, pois apenas aí o que pretendemos poderá acontecer.

Deixo todas as interpretações a cada um de vocês pois nestas matérias, como noutras, é essa a riqueza!

terça-feira, 23 de abril de 2019

O Dao e a minha caminhada alquímica - Post 03 A disciplina

Disciplina - a palavra tabu

A prática interna ou Neigong (内功) é um conjunto de tudo e de nada, mas como o Mestre Adam Mizner simplifica, é o trabalho ou transformação que ocorre no interior.

Já abordei especificamente o conceito de Neigong anteriormente e por isso, o meu objectivo neste artigo é de falar da disciplina.

Todos nós queremos algo na vida, qualquer pessoa tem um objectivo na vida. Na realidade todos nós temos vários. Temos objectivos diários, temos objectivos não exigíveis (coisas que gostaríamos de alcançar mas que aceitamos não conseguir) e objectivos que orientam a nossa vida. Diria que os últimos são mais marcantes.

E quando alguém tem um objectivo só há uma forma de o conseguir, pelo menos se estar sujeito à fortuna, é trabalhando arduamente para o alcançar. Todos sabemos disso. 

Na prática interna não é diferente. Se há aprendizagem a retirar da prática interna é a exigência que esta nos obriga para que a transformação seja real e consistente.

Bem sei que muitos consideram que a prática interna deve ser feita com um fundo de motivação (estou totalmente de acordo), mas o problema é então estabelecer o que é a motivação? Pois muitos praticam quando estão bem dispostos, quando estão com o "feeling", quando se encontram numa floresta mágica ou numa praia paradisíaca.

Para que fique bem clara a minha opinião, toda e qualquer prática é benéfica para o praticante. Praticar um dia e melhor que não praticar nenhum… Sem sombra de dúvidas
Mas será eficaz (para cumprirmos com o nosso objectivo pré-estabelecido, essa sim a verdadeira motivação) praticar de vez enquando quando "nos sentimos" dispostos ou motivados?

Creio que não. Em primeiro lugar porque essa aparente motivação é precisamente aquela da qual nos devemos libertar é uma faceta do desejo. Uns dias queremos outros não.
Algum pai se imagina uns dias estar com os seus filhos outros não?
alguém pondera uns dias trabalhar outros não?

Ora por princípio, essa postura não se apronta como mais correcta. Mas podemos ir ainda mais longe. Para que a prática interna seja realmente produtiva ela deve decorrer com consistência e continuidade. Estamos a contruir um corpo novo e para tal não podemos parar a obra e recomeçá-la noutro dia qualquer.
O que acontece a uma obra parada? os materiais começam a deteriorar-se e quando quisermos recomeçar, não recomeçamos do ponto em que paramos anteriormente pois temos de voltar a reabilitar o material estragado. Pois o nosso corpo é semelhante.

É por isso que a disciplina deve guiar aquele que encontrou a sua motivação e que definiu o seu método. Deve trabalhar arduamente na busca do seu objectivo não questionando pequenos ganhos ou perdas, simplesmente focado na sua prática. Na realidade a disciplina é parte do processo transformador.

E é precisamente disso que estou a falar e sobre a qual quero partilhar.

Nos últimos anos tenho combatido os desejos que me puxam para um lado e para o outro, que me mantêm na instabilidade. Tenho rumado no sentido da estabilidade da prática que é também a estabilidade da mente. A prática regular permite alcançar resultados a médio prazo mas garante, a curto prazo, um domínio sobre o desejo, a tentação e o sedentarismo. De uma forma mais geral, a disciplina descola do nosso corpo a fervura da emoção. A disciplina liberta-nos dessa escravidão e instabilidade.

Muitos dirão que a disciplina é sinal de obstinação, fanatismo. Mas não é o mesmo.

A disciplina é a capacidade de prosseguir com uma tarefa de forma regular e consistente e consciente

Poderão também argumentar o mais importante é praticar motivado mesmo que assim esta se torne irregular, ao contrário da pratica diária mesmo com períodos em que nos encontramos "contrariados". É verdade que se eu estiver num dia não, a prática desse dia sofrerá as devidas consequências mas existem ganhos inabaláveis. É que "água mole em pedra dura tanto bate até que fura", já diz o ditado português. E quando o nosso corpo (mente) se habitua à prática, deixa de o questionar. Logo deixa de ser um obstáculo. Quando vamos para a nossa prática diária, a mente deixa se ser um inimigo e passa a posicionar-se de forma neutra permitindo assim a que esse momento frutifique.

A minha prática tem me mostrado que a disciplina é a chave para a transformação, a consistência da prática, a entrega e sinceridade como que a fazemos.

Mas aqui, é também importante não resumirmos a prática interna a uma postura física ou a um exercício particular. A prática diária pode ser executada de diversas formas embora seja recomendável a existência de um método como fio condutor.

Se analisarmos os princípios das diversas artes marciais veremos como a disciplina se apresenta como uma qualidade básica. Para quem já praticou artes marciais ou pratica, sabe do que falo. Mas também, como referi acima, podemos verificar a sua importância em qualquer outro aspecto da nossa vida que se mantenha a médio ou longo prazo. Em todas essas situações nós podemos verificar que aquele que é dotado de resiliência, sacrifício consegue levar "a água ao seu moinho". 




Em todos estes anos a que me tenho dedicado às práticas internas posso constatar que as transformações são inúmeras nos mais diversos aspectos, mas aqueles que mais valorizo são os que se estendem a todas as esferas da minha vida e essas são as transformações da mente

terça-feira, 9 de abril de 2019

Estudo do termo Song

No treino de Taiji, bem como de Qigong é fundamental o corpo estar activo (Yang) mas relaxado (Yin).

Activo quer dizer que a mente deve conduzir o Qi, a respiração deve conduzi-lo e o corpo deve mover-se de acordo

Relaxado significa que o corpo não deve obstruir a circulação do Qi. O corpo físico deve estar solto, as articulações desbloqueadas, a respiração deve existir com fluidez, a mente deve estar atenta mas sem se prender a qualquer acontecimento interno como externo.


Yin e Yang devem estar em sintonia na prática interna.


Usualmente, dizemos que o praticante deve aprender a enraizar, a puxar o Qi para baixo, levando-o até à terra (enraizamento 根). Todos os que praticam Qi gong e Taiji já devem ter ouvido este termo inúmeras vezes. Faz menção de fazer descer o Qi, levar a nossa atenção à região inferior do corpo e à sua ligação com a Terra.


Há uns anos tomei contacto com o termo Song( 松 ) é muito usado no treino de Taiji.


Song quer dizer soltar, relaxar (palavra perigosa que não representa o objectivo na prática), largo

Antes de avançar é interessante estudar o caracter
Se o decompusermos encontramos:

Mu - 木 - madeira, árvore

Gong - 公 - justo, honorável, comum, justo

por sua vez Gong é composto, também ele, por dois caracteres

Ba - 八 - Número 8, todos os lados, de todo o lado

Si - 厶 - Privado


Podemos ainda fazer outro exercício interessante e comparar Song (松) com Gen (根)

Se os observarmos entendemos que possuem o mesmo radical, Mu (木). O radical é o que dá o sentido ao caracter. Então ambos se ligam, se dizem respeito. Mas são diferentes

Gen (根) possui também gen-艮, que neste caso confere a fonética. Pois Gen, traduzido como enraizamento, trás o seu simbolo de Mu (木). A árvore, sólida e estável que se envolver com a terra.


Voltando ao termo Song entendemos que é um termo que traduz de forma explícita passividade. Soltar, largar, estar solto, livre. No caracter gong 公 podemos ainda encontrar o 8, simbolo do interminável, e o privado. Podemos evoluir o pensamento no sentido de soltar, libertar em todo o lado, dentro e fora.


Mas quando e como aplicamos o princípio Song?

Quando?

Sempre, é um princípio básico para que a energia possa circular.Sabemos que para a energia possa circular os tecidos necessitam estar soltos, por isso devemos sempre estar em neste estado


Mas então como aplicamos este princípio na nossa prática?


Fang song (放松) ou relaxar e soltar é usualmente treinado, numa primeira etapa, com postura estática. Depois de adquirirmos a estrutura correcta, sendo essencial soltar as articulações (joelhos, bacia, ombros, omoplatas…), devemos abrir a nossa coluna através da ascenção de Baihui, topo da cabeça.

Após este processo devemos, passo a passo, suspender todo o corpo tendo como único ponto fixo, Baihui. Mais do que uma visualização intencional, o objectivo de Fang song é o de soltar todo o corpo, deixando o estar sem qualquer tipo de intencionalidade e objectivo.


Uma imagem que me ajudou a entender Fang song foi a ideia do saco de àgua suspenso. Se pendurarmos o saco ao alto (Baihui) toda a água (Qi) se vai deslocar para baixo, quanto mais quanto o próprio saco (corpo) permitir.


Este é o estado básico em que o corpo começa o seu processo de transformação, pois apenas quando o corpo se liberta o Qi começa realmente a circular e a provocar transformação. Na realidade é também após o processo de Fang song que o enraizamento (Gen-根) se processa.


Se não estava familiarizado com este termo, sugiro que o aprofunde e que o aplique pois é essencial para possa realizar a prática interna


Mais informações: Os 6 níveis de Song

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Nei Gong (内功) - Desenvolvimento interno

A prática interna é O grande objectivo daquele que busca a realização. 

Podemos estabelecer uma analogia com uma pessoa que decide "ir de fim-de-semana". A pessoa decide onde ir (realização). Para chegar ao seu destino existem diversas possibilidades, caminhos (diferentes praticas, religiões) mas todas elas alcançam o mesmo fim. Neste sentido a prática interna ou Nei gong é o momento que se segue à decisão até à chegada ao destin9, seja qual for o caminho escolhido.

No Daoismo há um caminho apresentado. O termo Nei gong já apresenta, em parte, um pouco do procedimento. 
Para melhor entender o que Nei gong poderá significar é Fundamental estudar os caracteres;

Nei gong são dois caracteres Nei-interno e Gong-prática

内 Nei - É composto por dois caracteres
冂 Jiong - Caixa
人 Ren - Pessoa
Podemos ver este caracter como uma pessoa a entrar num espaço ou caixa. A ir para o interior

功 Gong - É também composto por dois caracteres
力 Li - Capacidade, força, influência
工 Gong - Trabalho, técnica, profissão
O segundo caracter de Gong-工 possui a mesma fonética e fornece ao caracter Gong-功 o som, mas também o enriquece com o seu significado
Li induz a ideia de potencial (capacidade, força), enquanto que Gong-工 a continuidade; pois o trabalho é diário e árduo, uma profissão requer capacidade (Li), a técnica desenvolve-se com o tempo
Gong-功 é usualmente traduzido como prática, neste contexto, mas pode também ser interpretado como desenvolvimento. Se analisarmos os caracteres que o compõem essa ideia torna-se mais clara.

Podemos então traduzir Nei gong como desenvolvimento interno.
Nei gong é então, em primeiro lugar, algo que se passa no interior. Neste caso sendo algo que se passo no interior do nosso corpo. E o que se passa, através da prática continuada (trabalho...) é o desenvolvimento.

Então quem pratica o Nei gong busca o seu desenvolvimento interno, o desenvolvimento do corpo subtil não perceptivel aos olhos comuns, o Shen - espirito/consciência/percepção/mente.

Benvindos ao caminho interno 

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

O Dao e a minha caminhada alquímica - Post 02 O enraizamento

Nestes últimos anos tenho desenvolvido o enraizamento, um termo bastante usado nestas práticas.
Mas o que significa enraizamento?
Enraizamento é a capacidade de fazer descer o Qi para a parte inferior do corpo, para as pernas e pés. Treina-se inclusive a descida do Qi para o solo penetrando-o
Esta e uma definiçao clássica que abre a possibilidade a várias interpretações e com estas, a tendência à dispersão e ilusão.

Vou partilhar o meu entendimento de enraizamento...
Existem, para mim, 3 níveis de profundidade:
Jing - físico, a estrutura
Qi- Atenção/percepção ou Yi e Respiraçao
Shen - Consciência

  • Jing - Ao nível mais físico a preocupação é desenvolver a estrutura de forma a obter um bom enquilíbrio e a possibilitar ao corpo a melhor circulação de ene
    rgia possível. Desta forma a força da gravidade circula pelo corpo sem criar qualquer tipo de problema (dores de coluna, joelhos, etc). Em todo o trabalho de Qi gong e Tai ji, o trabalho sobre a postura corporal é fundamental. Para além de abrir portas ao trabalho energético é objectivamente benéfico para o bem estar e no cultivo da saúde. A este nível é fundamental sentir o peso bem distribuído pelos pés e manter todas as articulações (com especial atenção para a cintura e membros inferiores) livres de tensão. À medida que a postura se vai desenvolvendo e sedimentando, várias alterações são notadas pelo praticante… Desde a segurança ao andar, bem como uma sensação de maior proximidade com o chão são sentidas
  • Qi - Neste estágio intermédio elevamos o nosso trabalho para a respiração bem como para um estado físico mais alargado. A respiração abdominal (normal ou  invertida) leva o Qi para o abdómen inferior, levando-nos a obter um novo centro de gravidade (mais próximo do chão). Esta respiração promove também um maior desenvolvimento energético como ajuda a que a bacia se desbloqueie e desenvolva, permitindo que os membros inferiores se mantenham mais ligados ao corpo. É também a respiração uma forma de levar a nossa atenção/percepção para uma zona diferente do corpo chamando assim a nossa consciência a um novo ponto de referência bem distante da cabeça.
  • Shen - Neste momento já estamos a explorar toda a nossa consciência. Na realidade ela começa a desenvolver-se logo no primeiro passo, pois nenhum destes "3 níveis" está dissociado, mas é nesta fase que esse desenvolvimento se torna prioritário. Aqui, e com todas as restantes conquistas obtidas, queremos levar a nossa consciência a todo o corpo. Nesta fase, devemos manter a nossa mente focada no nosso corpo, na realidade! É fácil começar a imaginar, a sonhar… É mais fácil ainda deixarmos a nossa mente vaguear por sensações obtidas no corpo… As sensações são apenas acontecimentos temporários e menores de uma transformação interna! Ficarmos presos na sensação é ignorar o que está realmente a acontecer. Portanto a este nível outra das coisas que trabalhamos é o desprendimento, a capacidade de observar sem se ligar e de sentir sem com isto manter o querer… Aprender a apenas estar
Em suma, o enraizamento é todo um processo que nos acompanha na transformação interna. O enraizamento está mesmo, directamente ligado ao nosso crescimento e grau de consciência. Estes "3 níveis" são apenas uma forma de dissecar um processo e não forçosamente um método, pois em todo o processo tudo está envolvido.

Para terminar, o trabalho de enraizamento é muito mais que uma postura, ele pode ser feito no dia a dia, em pé sentado ou deitado, a trabalhar ou a descansar e em qualquer lugar. O trabalho sobre o enraizamento ensina-nos a estar presentes e as consequências vão muito para lá do plano meramente físico