sábado, 19 de abril de 2014

Momentos, O Dao não é alcançável, apenas perceptível...

Recentemente tive mais uma prova de que nada é adquirido, de que tudo aquilo que possa sentir e não sentir acontece apenas num instante, num pequeno momento. O presente quando pensado já é passado, quando previsto, não existe.

Como resultado das minhas práticas, várias são as alterações que tenho sentido, algumas transitórias e outras mais constantes mas não cristalizadas. Prova é, que recentemente uma situação me provou isso mesmo. Num  "desaguizado" fora do comum o meu espírito foi perturbado. Não pela pessoa descontrolada que me agredia verbalmente, mas sim pelo meu ego que se mostrou mais forte e que oprimiu o meu coração. Nesse momento a serenidade esfumou-se e claro está, a racionalidade também.

Esta situação fez-me meditar...

Na realidade há uma provação diária, diria mesmo a cada instante. O nosso espírito deve estar concentrado, livre de distrações. Devemos viver o Dao a todo o instante e não de vez em quando. Se isso for feito, nestes momentos saberemos não agir ou, pelo menos não reagir. Pois onde havia uma pessoa exaltada, passou a haver outra...
Se naquele momento estivesse  com a mente focada, essa agitação não se iria expandir e, quem sabe, poderia até mesmo se extinguir dependendo da sabedoria presente naquele instante.

Temos medo da morte mas na verdade morremos todos os dias. Isso é maravilhoso! Uma vez que o nascimento apenas se realiza após a morte.
Quero com isto dizer que todos os dias somos novos seres, diferentes, com novas perspectivas, sensações e pensamentos. Todos os dias nos podemos livrar de mágoas e depressões, angústias e exaltações. Todos os dias podemos ser que sonhamos...

É também por isso que nenhuma mudança é conquistada, apenas vivida!

Aquilo que vivemos hoje, não vivemos amanhã, aquilo que sentimos hoje poderemos não sentir amanhã... Resta-nos trabalhar arduamente o espírito para que este nos proporcione o melhor de todo o nosso potencial.

Hoje penso; concentra, foca e unifica. Esta é a única maneira de me manter no fluxo celeste...

Posição da língua nas práticas daoistas

Nas práticas meditativas, de Qi gong a posição da língua assume um papel importante em função dos objectivos pretendidos. A língua é, para os daoistas, um interruptor, que liga dois importantes meridianos curiosos chamdos usualmente de vaso governador (Du mai) e vaso da concepção (Ren mai). Estes dois meridianos que se situam na região sagital, um posterior (Du mai) e outro anterior (Ren mai), ligam-se através do contacto da língua com o palato superior.

Existem várias posições, segundo as práticas daoistas, que a língua pode assumir e mediante cada uma, há uma circulação energética distinta.

Muitos dos praticantes de Qi gong desconhecem a importância da língua na prática desta arte. É no entanto fundamental para a correcta circulação de Qi. O simples facto de não ter uma posição correcta da língua em determinados exercícios pode levar a enxaquecas, hipertensão e outras patologias. É por isso fundamental conhecer em profundidade a importância da língua nas artes daoistas.

Posição Fogo - É a posição mais comum em que a língua toca o palato superior, na região anterior do mesmo. Esta posição é utilizada na prática da meditação da órbita microcósmica (ou pequena circulação celeste), para promover a ascenção da energia Yang e a descida da energia Yin. Desta forma existe uma mistura destas duas energia, o que permite equilibrar o Yin e o Yang. Esta posição promove o aumento da energia e a activação cerebral.

Posição Água - Nesta posição a língua toca o palato superior na zona anterior (palato mole). Esta posição é utilizada quando se pretende nutrir o mar da medula e o Shen. Esta posição da língua favorece a subida de Yin Qi pelo meridiano Chong mai. Nesta posição a energia Yin e o sangue sobem até ao cérebro, nutrindo também o coração, entre outros orgãos. É uma forma importante de levar o praticante à quietude e à serenidade necessárias na prática do Daoismo.

Posição do Vento - A língua toca nos dentes. Esta posição promove a inversão do sentido da circulação energética, na órbita microcósmica. É utilizado para desacelerar a circulação, aumentando a energia Yin em relação à Yang. Esta posição é utilizada quando é pretendido diminuir o Fogo (agitação, insónia, ansiedade...).

Posição Madeira - Língua no palato superior, região média

Posição de neutra -  A posição neutra é quando a língua não toca o palato superior. Esta posição é utilizada na prática de Wuji. Quando se pratica Wuji, Yin e Yang não são contemplados. Wuji é o estado anterior à existência de Yin e Yang e por isso a língua não assume qualquer posição, assim como a mente e o corpo...

É fundamental que o praticante seja acompanhado por um professor/mestre pois APENAS poderá acompanhar o crescimento do praticante. Toda e qualquer prática alquimica tem um propósito específico e feito de forma incorreta poderá levar a um desequilíbrio interno provocando doença. É importante ter a noção de que a prática alquímica é muito poderosa e por isso poderá ser destrutiva se não for praticada corretamente...

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Taiho, Templo de Fuxi

Também na província de Henan, a cerca de 1h de Luyi, O templo de Taiho, conserva o túmulo de Fuxi, e um templo gigante em sua homenagem.
De uma simetria extraordinária, com a representação de todos os símbolos Taoistas, este templo é magnifico no que toca à sua beleza arquitetónica, aos seus jardins e também à sua grandiosidade.


Com várias dezenas de árvores milenares (visíveis na fotografia), sentimos neste templo que caminhamos na história deste país. Fuxi foi grande pai da civilização "contemporânea" da China.

Fuxi

Foi Fuxi quem que descobriu o Bagua, os 8 (ba) trigramas que dão origem aos hexagramas do Yi jing (livro das mutações). É a partir daqui que se começa a ter um melhor entendimento do macrocósmos, e já com o Yi jing, que se dão grandes pulos ao nível da agricultura.

Túmulo de Fuxi
fotografia onde se observa, em segundo plano, o túmulo de Fuxi

Wu wei, a não acção

Wu wei é um dos maiores príncipios da filosofia Daoista. Aplicar Wu wei significa viver de acordo com o Dao, é por isso um princípio fundamental mas por outro lado, muito abrangente.

Muitos não entendem este príncipio, considerando que não acção é o mesmo que apatia ou sedentarismo. Nada disso!!!

Quem conhece praticantes e mestres Daoistas, pode concluir que isto não acontece.

Gosto de traduzir Wu wei de uma forma diferente, como não interação.

Wu wei, entre muitas outras interpretações que se possam ter, remete-nos para uma vida sem ego. Sem ego, sem desejos e sem ambições.

Pois em Wu wei devemos viver de acordo com os ritmos naturais e não em função dos desejos e ambições pessoais e/ou sociais. Para vivermos em permanente Wu wei, precisamos conhecermo-nos bem assim como o meio que nos envolve, para deixemos de agredir o pulsar natural da energia (dos acontecimentos).

Já imaginaram como seria se a água que corre pelo rio até ao mar decidisse, um dia, mudar a sua direcção?

Já imaginaram se um leão decidisse matar todas as gazelas do grupo só para criar uma reserva alimentícia e para que pudesse então repousar sem nunca perder alimento?

Estes exemplos podem ser patetas, mas são-no porque na realidade ninguém os concebe como realizáveis, e ainda bem!

Mas o Homem não vive de acordo com a sua natureza. Ele agride diariamente os ritmos naturais, às vezes por necessidade outras apenas por capricho. O Homem é capaz de matar apenas para não se sentir incomodado (como acontece quando uma àrvore está no caminho; ou uma serpente que tanta impressão nos faz, está no nosso jardim...). O Homem é o único ser vivo (a esmagadora maioria) que vive isolado das leis naturais, pensando que está acima delas.

Wu wei é conviver com a natureza de forma saudável, seguir os seus ritmos e tirar o proveito natural dos mesmos.

Carl Jung

Nascido em 1875, Carl Jung nascido na Suíça tornou-se psiquiatra, tendo criado o método da psicologia analítica.

 Enquanto psiquiatra e psicoterapêuta Carl Jung estudou muitos temas, entre eles, o da espiritualidade.

Carl Jung acreditava que todo o ser humano tinha um propósito espiritual para além da vida terrena e material. Ele estudou diversas religiões entre elas; o cristianismo, budismo, hinduismo e o daoismo.

Carl Jung teve um papel importante no conhecimento do daoismo no ocidente. Juntamente com Richard Wilhelm, esteve na revelação ao ocidente, de um importante clássico alquímico daoista, O segredo da flôr de ouro.
Este clássico daoista é a grande referência da escola Quan Zhen de Wang Chongyang.
É um clássico importante que embora daoista contém já outras duas religiões, o confucionismo e o budismo.

Juntamente com R. Wilhelm, Carl Jung disponibilizou ao ocidente um importante clássico.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Viver sem competir (parte II)

Continuando no conceito Wu zheng (não competição), e depois de deixarmos de rivalizar com o mundo que nos rodeia partimos para outra aventura, a do mundo misterioso que habita no nosso interior.

O Daoista é frequentemente visto como uma pessoa que vive à margem da sociedade e que não se integra nela. Na realidade o Daoista vive focado em si mesmo, ele procura no intimo do seu ser, conhecer, sentir e obter consciencia da sua plenitude. Por isso ele não perde tempo a analisar os outros, nem em tarefas improdutivas, nem se desgasta no trabalho para poder adquirir bens efémeros.

Uma das buscas internas é a de encontrar comportamentos, pensamentos e sensações relacionadas com Wu Zheng. O trabalho interno dura muitas vezes, uma vida inteira pois se a nossa consciência é grande, muito maior é a nossa inconsciência (região desconhecida e que influencia todo o nosso padrão psico-físico).
Um erro comum, com o qual tenho deparado e que também tenho observado em outros, é o de crer que as transformações se conquistam. Se há algo que podemos aprender no Daoismo, é que nada permanece imóvel, assim nos explica o símbolo do Tai chi. Tudo é dinâmico, se nascemos temos forçosamente de morrer, se somos saudáveis termos obrigatóriamente de adoecer em qualquer momento, etc.

 Por exemplo, é normal em qualquer praticante de Qi Gong, Tai Chi e/ou meditação, adquira tolerância. É uma das muitas transformações possíveis com estas práticas. Se alguém pensar que depois de obter este estado de espírito nada mais precisa de fazer para se manter assim, terá uma grande desilusão. O Qi Gong, Tai Chi e/meditação permitem equilibrar o corpo energéticamente potenciando todos os mecanismos naturais de desintoxicação e metabolização (física, emocional e mental), levando naturalmente a um estado de consciência que nos permite ser tolerantes. Se deixarmos de ter este tipo de práticas (ou outras possíveis), o nosso corpo tenderá a adquirir outra condição energética. Muito possívelmente voltaremos a sofrer de picos emocionais tais como, ira, cíume, impaciência, ansiedade... 

Ao conhecer esta realidade, o Daoista vive atento a si mesmo, mantendo-se sempre em equilíbrio com o Universo. Desconhecer este príncipio é um grave erro que irá impossibilitar qualquer um de atingir o Dao.

Explicado isto, partirei para aquilo que considero ser o Wu zheng interno (como já tive oportunidade de escrever na primeira parte, esta designação é minha e não corresponde a nenhum conceito Daoista que tenha até à data encontrado).

É comum, quer seja por educação ou influência externa, nos querermos sentir úteis, competentes, capazes e melhores (muitas vezes que nós próprios). 
Será que quando pretendemos atingir um resultado, quando queremos ajudar alguém, não estaremos a competir com as nossas capacidades, a nossa natureza? vou explorar estes dois exemplos;

  1. Imaginemos que sou desportista. Sou competente e pratico de forma disciplinada e aplicada diariamente. Em algum momento decido que tenho de atingir uma marca, vamos dizer um recorde pessoal. Tenho conseguido de forma progressiva e esforçada evoluir, mas decidi que tenho de atingir uma marca exigente para me ultrapassar e continuar a sentir motivado. Este é um exemplo em que estou a competir entre aquilo que sou e o que quero vir a ser.
  2. o segundo exemplo é mais traiçoeiro de explorar, darei o meu melhor. Alguns de nós sente necessidade de ajudar os outros, mesmo quando estes não pedem para ser ajudados. E será que o fazemos pelo outro ou por nós? será pelo bem do outro, ou será que ao "ajudarmos" não nos estaremos a sentir melhor connosco mesmo? Estamos, muitas vezes, a medir forças com o nosso ego, a competir com ele. Estamos a provar a nós mesmos que somos melhor do que aquilo que dizem de nós ou até mesmo do que nós pensamos ser.
Antes de continuar quero pegar no segundo exemplo, o da ajuda, para esclarecer uma coisa. Na Daoismo não se cultiva o individualismo, muito menos o egoismo. Neste sentido há compaixão, o dever de ajudar quando a ocasião se manifesta.
Considera-se uma grande diferença em ajudar porque se quer e ajudar porque é necessário. Uma forma mais simples de entender esta diferença é entre alguém que ajuda que lhe é pedido, ou se por outro lado ajuda quando acha que deve ajudar. No primeiro caso estamos a responder apenas a um pedido, no segundo estamos a intervir na vida de alguém pensando que o estamos a ajudar (o que pode acontecer ou não). Este tema podia ser explorado mais exaustivamente, mas não é o propósito desta publicação. Vou apenas referir que aqui se pode aplicar também o princípio da não acção (wu wei).

Estes exempos referidos servem para nos trazer à consciência das possíbilidades existentes da manifestação de wu zheng, nos nossos pensamentos ( que se podem ou não refletir em acções). 

Quando meditamos em Wu zheng, primeiro deixamos de competir com os outros, e mais tarde connosco. Primeiro eliminamos os comportamentos, mais tarde transformamos os nossos pensamentos e sentimentos. É fácil controlarmos aquilo que fazemos, é mais difícil seleccionarmos o que pensamos... No Daoismo acreditamos que com uma prática meditativa contínua, podemos limpar a nossa mente por forma a termos um pensamento mais claro e focado, menos disperso e anárquico.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Viver sem competir (parte I)

No Daoismo um dos grandes princípios é o de não competir (Wu Zheng).

No Daoismo o objectivo é encontrar a quietude suprema, eliminar todas as perturbaçoes emocionais, serenar e concentrar a mente. Por isso no Daoismo praticam-se muitas artes que promovem a sereninade de espírito, a contemplação da natureza e a concentração (Qi Gong, Tai ji, meditação).
Não competir ou não tencionar competir, assume por isso um papel muito importante para que o praticante Daoista possa manter o seu espírito equílibrado e em harmonia com o Universo.

No Ocidente, como todos nós, fui desde novo educado para ser o melhor. Enquanto crianças, os nossos pais ficam felizes quando crescemos mais que os outros, quando começamos a andar e a falar mais cedo, quando somos os melhores alunos, etc. Somos educados a pensar que devemos sempre melhorar e que na vida o objectivo é o sucesso, pois só assim poderemos ser felizes.
Para sermos os melhores temos, obrigatóriamente, de ter um termo de comparação. Esse termo de comparação é geralmenteo  que está à nossa volta; colegas de escola e de trabalho, colegas de profissão, ou até nós mesmos... Isto é viver claramente a competir e servir-se desse princípio como estímulo no decorrer da nossa vida.

O problema de viver a competir, é que podemos não aguentar a pressão que isso acarreta. Podemos falhar, não conseguir. Aí entramos num estado de ansiedade e de insegurança permanentes, em que tudo é visto como ameaça. Nesse momento, estamos na mó de baixo, observamos os melhores a congratularem-se enquanto nós nos pressionamos cada vez mais para ultrapassar a situação.

É um dos perigos de viver em permanente competição. Mas há mesmo assim quem viva feliz desta forma (porque nunca tiveram a sorte ou o azar de "perder" nesta vida competitiva). Mas há um outro problema de viver competindo, e este talvez seja mais complicado.
Quando nascemos estamos sempre a olhar para o futuro, o que fazemos amanhã é sempre mais do que fizemos ontem. Nesta altura das nossas vidas, é relativamente simples sermos competitivos uma vez que o nosso corpo está melhor de dia para dia. É por isso natural que eu próprio seja melhor. Mas e quando passamos o nosso auge? Quando o nosso corpo começa a perder resistência física, quando nos começamos a sentir cansados, a perder a memória, a ter dificuldades em manter a concentração, quando as dores nos impossibilitam a execução de determinadas tarefas? Neste momento verificamos que não podemos continuar a viver como sempre vivemos!

Os Daoistas entenderam os mecanismos naturais da natureza, a vida e a morte, o sucesso e o insucesso. E encontraram na espontaneidade, a melhor forma de viver. Os Daoistas apenas fazem aquilo que podem fazer, no momento oportuno e quando as circunstâncias o proporcionam.

Os ocidentais fazem as coisas "quando têm de ser feitas", no prazo exigido seja qual for a condição em que se encontram.

Há aqui uma diferença gigantesca na atitude adoptada! Os Daoistas agem segundo a sua natureza, os ocidentais fazem de acordo com a sua mente. E muitas vezes a mente deixa-se contaminar pelo ego, que por sua vez é muito influenciado por terceiros. Em conclusão, muitas das vezes os ocidentais acabam por fazer coisas que não querem e não deviam fazer, apenas porque lhe é exigido...

Viver no Ocidente enquanto Daoista é um grande desafio, não por ser impossível de praticar a não competição mas fundamentalmente, por sermos incompreendidos e até rejeitados por uma boa parte da sociedade. Muitas pessoas nunca irão entender por que é que nós abdicamos de competir (perdendo sucesso no imediato) e nos focamos no trabalho interno como referência para as nossas vidas.
Há em meu entender, um desafio suplementar no Ocidente, o de conviver com esta indignação por parte da familia, amigos, conhecidos e desconhecidos.

A PRÁTICA
Vivendo no ocidente sem competir

Considero duas formas de não competição; uma interna e outra externa.
Para já falarei da mais fácil de entender, a não competição externa.
Diz respeito ao nosso comportamento em relação com o mundo que nos rodeia.

É geralmente a primeira forma de que tomamos consciência e pela qual começamos o nosso trabalho de transformação.
Comecemos por pensar na relação de forças entre seres humanos, seja esta familiar, social ou profissional.
O mais fácil de avaliar, é a situação profissional. Todos nós queremos ter sucesso profissional, pois isso reflete-se na nossa carteira e consequentemente, pensamos nós, na nossa felicidade. Em função desse sucesso, estamos dispostos a muito. O problema é que não somos os únicos a pensar assim, pois muitos pensam como nós. Acabamos por nos ver no meio de uma corrida em que para tentar ganhar, temos de ir até ao limite, sem que a vitória esteja garantida. Muitas vezes esquecemos que o respeito e a entreajuda são valores fundamentais e estamos dispostos a fazer algumas batotas para poder chegar em primeiro lugar.

Podemos mudar o nosso paradigma ao, simplesmente, focarmo-nos apenas e só no trabalho, sem pensar em tudo o que ele nos pode ou não trazer no futuro. Quero com isto dizer que o pragmatismo é aqui, o nosso melhor amigo. Fazermos o melhor que conseguimos e nada mais que isso, sempre sem deixar que as exigências profissionais nos façam falhar naqueles que são os valores fundamentais para vivermos em harmonia com a natureza.
Então, quando trabalho não devo desperdiçar tempo a pensar se estou ou não a ser melhor que o meu “concorrente”, se estou a ser o mais produtivo da empresa, se o meu cliente estará mais satisfeito comigo do que com o outro comerciante, etc. Devo apenas dar o meu melhor, ficar como costumamos dizer; de consciência tranquila. Desta forma podemos viver em paz, sabendo que estamos a desempenhar as nossas funções da melhor forma possível, quer esta seja a melhor de todas ou não. Para um Daoista não é importante ser-se efectivamente melhor que outra pessoa, pois um Daoista sabe que cada indivíduo tem uma natureza própria que lhe confere qualidades únicas.
 Cada indivíduo tem mais facilidade numas coisas do que noutras, e por isso eu poderei ser melhor numas coisas e menos bom noutras, é a natureza humana. Nesse sentido o Daoista não valoriza esse aspecto e por isso também não compete, apenas aceita a sua natureza e aproveita-se dela para tirar proveito da vida.

O ciúme é uma consequência de um comportamento competitivo, embora possa estar também presente por outras razões. É algo que acontece muito no ambiente familiar e amoroso. O ciúme nas relações pode acontecer porque este gosta mais do outro do que de mim, etc. Estamos já noutro nível de competição, competição dos afectos e das relações.
Mais uma vez devemos encarar as relações de forma natural. 

Uma semente quando pousa na terra não sabe em que solo vai crescer. No entanto cresce, e faz o seu melhor para se transformar numa bonita árvore ou arbusto, ou erva; sem nunca saber quem vai ter como vizinho. Aceita a sua natureza, o seu destino.

Nós deveríamos viver do mesmo modo. Vivemos cobiçando a vida dos outros, as experiências dos outros, queremos sempre mais, vivemos com um vazio permanente no nosso coração.
Se por outro lado aceitarmos a nossa natureza, os nossos “vizinhos”, viveremos de forma mais tranquila e também feliz. Se em vez de sentirmos ciúme ou inveja da relação que o nosso amigo tem com a nossa irmã, simplesmente vivenciarmos a nossa amizade com cada um deles, estaremos certamente a Viver as nossas vidas e a crescer com essas vivências.

Por isso um Daoista é geralmente discreto no seu trabalho, simples na sua forma de se dar com os outros e pouco exuberante no seu comportamento. É difícil encontrarmos um Daoista na sociedade moderna, pois ele não se expõe. Ele vive de forma humilde e apenas aparece quando solicitado.

Não competir implica abdicar de algumas coisas materiais mas também sociais. É certo que não competindo no trabalho é possível que não tenhamos tanto sucesso profissional como outros e consequentemente tanto retorno financeiro e reconhecimento social. Mas também é verdade que não competindo, vivemos de forma mais alegre, transparente e tranquila, com mais saúde e menos preocupação, mais conscientes do presente e menos dispersos no futuro ainda não consumado.


É uma escolha que todos nós podemos fazer. A via do Dao é clara, não competir é um princípio básico para poder alcançar o desejado.

terça-feira, 8 de abril de 2014

O Dao "contemporâneo"

Viver o Dao no mundo moderno não aparenta ser simples. 

Vivemos numa sociedade competitiva, exigente e cruel, em que não há espaço para descansar, não há perdão para o insucesso nem capacidade para reabilitar alguém que se perdeu.

A sociedade ocidental moderna, em plena expansão no resto do mundo,  tem no entando qualidades extraordinárias. O conhecimento científico hoje salva milhões de pessoas, tanto ricas como pobres; hoje a educação é global, o acesso à informação é também ele muito simples, o cidadão tem hoje maior liberdade do que aquela que vivia há algumas décadas atrás...

Será possível aplicar os princípios filosóficos do Dao na vida contemporânea?

Em 2002 tive o meu primeiro contacto com a filosofia Daoista (taoista). Através da Medicina Tradicional Chinesa, tive desde logo uma ligação muito forte ao Daoismo. 
Na cultura chinesa o Daoismo respira em tudo; na escrita, na arquitectura, na alimentação, na medicina, e em muitas outras coisas. Quero com isto dizer que na sociedade chinesa não há separação entre teoria e prática. 

Tive o meu primeiro contacto com a China em 2006, e embora tenha encontrado uma sociedade profundamente industrializada e fascinada com o ocidente (e tudo o que este tem de mau), encontrei uma atitude perante a vida muito peculiar. Aí vi, pela primeira vez, que é possível viver o Dao no mundo moderno. Mais tarde em 2012, após visita o mestre Daoista Huang Shi Zheng em Xi'an, tive a prova inequívoca que o verdadeiro Dao é vivenciado e não falado. Tive o previlégio de conviver diariamente com o mestre durante algumas semanas. 

Através da observação e da percepção constatei que o mestre vivia em profunda harmonia com o meio envolvente, mesmo que este fosse muito exigente e potencialmente stressante. Devo dizer que o mestre Huang Shi Zheng, é muito conceituado na China e é por isso, muito requisitado por todo o país. Passa por isso a vida a viajar de um lado para o outro, em reuniões governamentais e regionais; a presenciar inauguração de templos, enfim tem uma vida recheada de actividades. Tem uma vida que muitos acham, com muito stress.

Mas na verdade, o mestre reagia sempre com serenidade aos pedidos, seguindo o curso que lhe era pedido, mostrava sempre um sorriso verdadeiro e muitas vezes via-o a rir descontraidamente na conversa com outras pessoas, muitas delas perfeitas desconhecidas (é de resto uma grande qualidade deste povo, em que facilmente uma pessoa inicia uma conversa com um perfeito desconhecido).
Num momento estávamos no templo, no outro estávamos no carro prontos para 7 horas de viagem para uma distante cidade. A vida do mestre era como a de um pássaro que passa o tempo a voar de um lado para o outro, no entanto, o seu comportamento revelava uma quietude perfeita.

A partir deste momento não tive dúvidas, é possível vivenciar o Dao em plena sociedade moderna!