sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Simplicidade

 A via da simplicidade oferece-nos diversas conquistas. Ela liberta-nos para um bem estar dificil de ser equiparado.

Quando vivemos a simplicidade, não há lugar para a competição, pressão e ansiedade. Para quê?

Buscar uma vida Simples, ser um Homem simples e buscar a Simplicidade no mundo que nos rodeia permite-nos também, escapar às tentações efêmeras e que tanto nos inquietam

Não há ninguém que não entenda o que é levar uma vida simples, é um caminho que não está encriptado culturalmente e que por isso, todos podem percorrer.

Ao procurar a simplicidade aceitamos a nossa condição de humanos, que congrega em si o limite fisico a dificuldade o obstáculo e a impossibilidade. Esse reconhecimento e aceitação liberta-nos de estados como a inveja, o sentimento de injustiça, a revolta ou a mágoa. 
Mas viver de forma simples é sobretudo reconhecer a grandiosidade do espírito, é entender que só por esta via ele se engrandece se expande.

Viver de forma Simples adormece o ego, e entrega à mente uma nova forma de ver o mundo

quarta-feira, 6 de maio de 2020

O Dao e a minha caminhada alquímica - post 08 - A sexualidade



Este é um tema muito debatido em todas as esferas, o Daoismo não poderia deixar de o tratar. O que é interessante é que o Daoismo parece ter duas visões distintas sobre a sexualidade. Uns que veem a sexualidade como uma ponte a transformação energética, outros como um furo que nos esgota a energia.

É sem dúvida um tema complexo, cheio de medos, tabus, paranoias e preconceitos. Outra coisa interessante é que o homem, sim sobretudo o homem tem um desejo intrínseco que lhe perturba o discernimento. O desejo sexual que o assola não permite que este tenha uma visão clara e imperturbável sobre o tema. Digo isto porque encontramos, sempre encontrámos espalhado na sociedade, um extremismo generalizado em relação a este tema. Os ferverosos defensores do celibato, afirmando que a sexualidade é um mal do qual nos devemos livrar e os outros que acham ridícula qualquer tentativa de abstinência sexual.

Vou tentar explorar a sexualidade de um ponto de vista Daoista.

"O desejo sexual é uma expressão da abundância de Jing Qi" 

Podemos ver isso facilmente nos jovens quando têm o instinto de se tocar sem sequer saber ainda o que estão a fazer… O homem verifica também isso com a chamada erecção matinal. estas sensações ou comportamentos que vêm de "dentro para fora". Então, quando Jing Qi atinge o seu "pico" a ovulação acontece, e o homem pode libertar sémen. Quando esta energia se encontra em grande quantidade é como um copo cheio de água que facilmente transborda.

A sexualidade no homem torna-se natural e saudável e na mulher (que desgasta o jing de forma cíclica sem envolvimento sexual) todo o seu corpo se apresenta equilibrado e plenamente fértil.

"o desejo sexual é algo de natural e sinal de VITALIDADE"

Na alquimia Daoista, para prolongarmos a vida e alcançarmos a libertação, o Jing é fundamental. Através de práticas específicas, transformamos o Jing em Qi e depois em Shen. Podemos imaginar o jing o gelo, o Qi água e o Shen o vapor de água. Se não houver gelo, é impossível obter água e consequentemente o vapor da mesma… Por isso é fundamental para os Daoistas conservarem o Jing para que todo o processo alquímico possa ocorrer. É na realidade o primeiro passo! Convervar a energia! Não perder….

Sim, porque segundo a filosofia Daoista o Jing pode perder-se, e o desejo sexual pode ser perigoso pois leva o ser humano a ter relações e consequentemente perder vitalidade...

É aqui que começam a surgir correntes diferentes. De certo que muitos já leram sobre sexualidade Daoista (Sou Nü jing é um dos clássicos mais conhecidos), pois é um tema muito estudado e até profícuo para todos nós…

Mas até que ponto a sexualidade é importante no caminho? 


  • Uma corrente diz que podemos atingir a libertação através da sexualidade. Existem inclusivamente seitas Daoistas que fazem uso do formas semelhantes à da prostituição para "adquirir" jing do parceiro e assim poderem desenvolver o seu estado energético. Os homens Dragão de Jade acreditam que através do voyeurismo estimulam o Jing para que depois o possam circular e transformar. A mulher, Tigresa Branca extrai o sémen (Jing) dos diversos parceiros para seu benefício.
  • Outra corrente assemelha-se mais às religiões ocidentais monoteístas em que o celibato é tomado como uma forma importante do caminho. Dá-se muita importância à "poupança" do Jing das mais diversas formas (pois este não se perde unicamente através das relações sexuais, parto ou ovulação), para usá-lo no processo alquímico.

Estas são duas vias que parecem até contraditórias e torna-se um pouco polémico por isso. Mas talvez nem seja...

Há uns anos estudei a sexualidade Daoista e descobri coisas fantásticas. É por isso para mim claro que o trabalho sobre a sexualidade tem os seus reflexos que nos podem inclusive transcender para outros níveis energéticos. Não é coincidência que a sexualidade está também ligada a muitas religiões e cultos… Mas hoje penso de forma ligeiramente diferente, pois a sexualidade mais do que se tratar de gastar, manter ou ganhar Jing é também um momento em que interferimos com o Shen. Se a mente estiver muito fixada na sexualidade (como aqueles que usam a sexualidade para o seu desenvolvimento energético) o Shen fica doente, a moral distorcida e o caminho deixa de ser visível e possível de alcançar. 

Estas nuances, à medida que se caminha, assumem uma importância enorme!

Uma das coisas que aprendi na sexualidade Daoista foi a conservar o Jing, no fundo esse é o primeiro propósito. Podemos fazê-lo através da abstinência ou, mantendo relações mas de forma particular para que o Jing não se perca.

Muitos consideram que isso é apenas (no caso do homem) o chamado coito interrompido, ou até mesmo a separação entre o orgasmo e a ejaculação. A mim parece-me muito mais do que isso. Embora a capacidade de deixar de ejacular mantendo o orgasmo permite ao homem tornar-se capaz de atingir vários orgasmos sem com isto perder sémen, isto diz apenas respeito ao prazer. Não digo que não possa interessar a muitos, mas para aquele que pratica a via do Dao, o caminho não nos leva à busca do prazer sexual, pois busca outra coisa bem diferente. O importante é ele conseguir, segundo a sexualidade Daoista, fazer subir o Jing para o Dantian superior. Esta técnica como podem entender facilmente não se refere a uma subida literal do sémen para o cérebro… Mas sim ao Jing que, na realidade, não é apenas o sémen!. E é aqui que reside o grande "problema" Reduzir o Jing ao sémen ou à ovulação. O jing é muito mais do que isso, encontra-se noutros locais e pode ser trabalhado e afectado de diferentes formas. Mas voltando ao tema, é suposto pôr o Jing a circular pelo Du mai para que possa ascender até ao cérebro. Estas são técnicas violentas e perigosas que podem trazer resultados desastrosos, ou apenas a ilusão de que alguém está a usar o prazer para se iluminar...

Se na alquimia Daoista procuramos o desapego total, se procuramos viver de acordo com a brisa soprada pelo Dao e por isso eliminar a nossa vontade criada para voltarmos ao movimento primordial não podemos seguir a exploração sexual nem nos devemos deixar obcecar pelo celibato. Pois em qualquer uma delas o distúrbio causado pode causar danos irreparáveis...

É muito importante relembrar que buscamos a quietude suprema e a sexualidade facilmente nos leva ao turbilhão emocional. Não é por isso proibido e é aí, que nos vale a sexualidade Daoista. Podemos viver naturalmente a nossa sexualidade de forma ainda mais sensitiva (ao contrário de prazerosa) num plano de quietude. 

Diz-se que a pessoa não deve transpirar, o coração deve permanecer tranquilo e ao terminarmos a relação amorosa devemos-nos encontrar com mais vitalidade.

Se o fizermos então não nos devemos preocupar com mais nada. Devemos continuar o nosso trabalho alquímico e certamente encontraremos frutos ao longo do nosso caminho. À medida que o nosso trabalho for ocorrendo, naturalmente o desejo se irá dissipar (não porque o Jing está esgotado para porque ele circula para o Dantian superior ao invés de ficar "preso" no Dantian inferior). Nesse momento podemos dizer que nos libertámos do nosso "instinto animal e biológico" e que somos sexualmente livres.

Na sexualidade Daoista, a relação é subtil, os sentidos despertam lentamente, os orgasmos ocorrem de forma menos "intensa" mas de forma mais prolongada e profunda, tornando a experiência sexual única. Durante a relação não surgem pensamentos fortes e agressivos, não há agitação mental ao invés é vivida um pura tranquilidade com o parceiro(a), em que são partilhadas sensações. É um acto de contemplação do outro mas também de nós.

A sexualidade deve então ser vivida com naturalidade e ao mesmo tempo analisada. Estaremos a vivê-la de forma tranquila? Será ela fonte de ansiedade, esgotamento ou obcessão? Estará a sexualidade a moldar a minha visão das coisas?

O que é o desejo sexual?

Tenho entendido nos últimos tempos que existem pelo menos duas formas de desejo sexual à qual devemos estar atentos. Porque gosto de por as coisas nestes termos vamos dizer que um desejo é interno e outro externo, yin/yang. Um desejo deve-se à abundância de Jing outro deve-se a condicionantes externas, ao Shen.

Aqui creio que reside uma grande rasteira, talvez o maior perigo de perda de Jing. Será que o impulso sexual que estamos a sentir é verdadeiro ou induzido? Será que ele vem da nossa vitalidade ou dos nossos pensamentos ou provocação de outros? Isto confere toda a diferença.

Quando a energia é exuberante esta manifesta-se… Há vários exemplos deste acontecimento. 

Por exemplo quando temos uma fome extrema em oposição àquele snack que nos cativou ou aquela fatia de bolo que quero tanto... Enquanto no primeiro caso há tanto necessidade do corpo em obter energia como o fogo do estômago se encontra activo (fornecido pelo Chong mai), no segundo caso o corpo não sente necessidade e muitas vezes o fogo do estômago encontra-se até debilitado (sempre que comemos o Qi do estômago desgasta-se e este precisa de tempo para se repor). Então se comermos com fome estamos a respeitar o nosso corpo na integra, se comermos sem fome estamos a atacá-lo e degradá-lo. O mesmo se passa com a sexualidade.

É então fundamental aprendermos a discriminar o desejo interno do externo. O desejo que se desenvolve na pura vitalidade do desejo influenciado por aspectos culturais, imagens mentais e outras influencias ainda mais complexas... Se aprendermos a identificar as diferenças estamos mais perto de continuar a nossa caminhada livre de problemas. Podemos se calhar ver de forma diferente o que foi falado acima. Verificamos com facilidade a subjectividade de muitas coisas. Não basta dizer Sim! celibato ou Não! vamos explorar a sexualidade. A vida está recheada de caminhos tortuosos e é fundamental sermos conscientes, humildes, destemidos e corajosos para que possamos ultrapassar os diversos obstáculos que muitas vezes, só podem ser ultrapassados por nós pois são realidades únicas e que ninguém conhece. Este é outro perigo, tendemos a criar empatia com outras pessoas que vivem "a mesma coisa", mas na realidade são coisas parecidas. Ora, "coisa parecida" é   de "mesma coisa".

Espero, sinceramente que esta publicação tenha contribuído de algum modo que não tenha sido demasiado enfadonha ;)



segunda-feira, 4 de maio de 2020

Ge Hong, o Mestre da Simplicidade

Dotado de uma extrema humildade, de um profundo conhecimento literário daoista, confucionista e histórico de uma forma geral. Mais do que para o Daoismo em particular, este é um homem muito importante na história da China.

Acredita-se que Ge Hong viveu entre 283e 343 anos D.C. Também conhecido como o Mestre que emana a Simplicidade, Ge Hong foi um Homem muito especial para os seus tempos e ainda para o dias de hoje.

Para conhecer Ge Hong nada melhor do que ler a sua autobiografia disponível no clássico Baopuzi Neipian:

"O meu nome de família é Ge, o meu nome é Hong e o meu segundo nome Zhichuan. Sou de Jurong, na região de Danyang. Um dos meus ancestrais foi um soberano da antiguidade. Quando o seu reino caiu para um principado, o seu nome tornou-se um nome de família, Ge...
Eu sou o 3º filho de meu pai. Tendo nascido mais tarde fui mimado pelos meus pais e não fui forçado a estudar os clássicos muito cedo. Tinha 13 anos quando o meu pais nos deixou e por isso, perdi precocemente os seus ensinamentos. Ameaçado pela fome, frio, miséria e doença fui trabalhar para a agricultura.
Todos os livros do meu pai desapareceram durantes as guerras e incêndios de que fomos vítimas ao longo do tempo e não tinha nada para ler quando chegávamos à estação morta. Eram raras as vezes que me emprestavam algo para ler. Durante o dia eu cortava e vendia mandeira para poder comprar papel e pincéis. De noite, acampando num jardim ou campo, copiava os livros à luz de uma fogueira. Tudo isto fez com que me dedicasse, desde muito cedo à composição literária. Tinha muitas vezes falta de papel, as minhas folhas estavam sempre cobertas de caracteres sobre as duas faces. Era raro que outros para além de mim, conseguissem ler essas folhas."

"Aos 16 anos comecei a lei o clássico da Piedade filial, as ocupações de Confúcio, o livro das Odes e o clássico das Mutações. Mas na minha miséria, não tinha possibilidades de partir para longe à procura de um mestre ou de alguém com quem pudesse debater estes assuntos. Ignorante de tudo, de uma compreensão superficial, as grandes directrizes destas doutrinas escapavam-me frequentemente. Estava, nessa altura ávido por leituras de todo o tipo. E foi assim que chegou a altura em que não havia um livro que não pudesse recitar e compreender no essencial. Tomei conhecimento de cerca de 10 mil rolos, desde os clássicos,  os de histórias e filosofia até alguns textos curtos e variados. Mas tinha uma natureza pouco desperta e esquecia com facilidade; ainda por cima, faltava-me o espírito literário e a minha vontade tinha falhas. Também, o meu saber era insuficiente e por isso, as confusões eram inevitáveis. Estas leituras permitiram, contudo, fazer algumas citações nas minhas escrituras. Mas como nunca fui um verdadeiro letrado, não pude transmitir o conhecimento com mestria."
Este excerto atesta bem o porquê de Ge Hong ser muitas vezes de apelidado do Mestre da Simplicidade. Embora seja ainda hoje reconhecido como um Homem, ele mantinha sobre si, uma humildade poucas vezes encontrada. Era transparente quanto às suas raízes e humilde sempre que assumia qualquer coisa.

Ge Hong escreveu dois livros, O Baopuzi Neipian (tratado esotérico) e o Baopuzi Waipian (tratado exotérico), a Biografia dos Divinos Imortais, a Biografia dos Ermitas. Escreveu também poesia, pensamentos e recitais. Na sua autobiografia ele aprofunda;


"no meu tratado esotérico estão receitas e tratamentos dos Divinos Imortais, transformações dos fantasmas e demónios, arte de cultivar e prolongar a vida e conspirações afim de evitar a doença. Estes pertencem à escola Daoista. O meu tratado exotérico fala do bem e do mal na sociedade dos homens, dos erros e da razão nos negócios do mundo, estes pertencem à escola confucionista."

Quando lemos a sua autobiografia na íntegra, verificamos o extenso conhecimento que este ser humano possuía sobre assuntos Daoistas, Confucionistas, sociais e políticos. Era um homem com um interesse literário enorme, como já descrito por si acima.

Atestando a sua simplicidade e humildade termina a sua autobiografia dizendo:

"Não me consegui elevar à altura da águia e ajudar o meu país, e não passarei como os meus ancestrais ilustres à posteridade. Não posso esperar que os históriadores integros me façam referência, nem esperar pelo meu nome gravado em vasos de bronze. É por essa razão que adicionei esta biografia às minhas escrituras. Não ajudará nada à minha familia ou ao meu sucesso, mas irá permitir a futuras gerações conhecer a minha história"

Se há ensinamento que Ge Hong esse é o da humildade e simplicidade, às vezes parece até tocar a humilhação. Em todos os temas ele está constantemente a relembrar o leitor o quão limitado é nos seus conhecimentos.

Ge Hong foi um homem que fez um estudo exaustivo sobre o Confucionismo e o Daoismo. Como acima referido, estudou o confucionismo sobretudo para entender as relações humanas sobretudo em sociedade e a nível politico. O Daoismo permitiu que tentasse entender, a seu ver sem sucesso, a via dos Divinos Imortais (Imortalidade). As escrituras que deixou são hoje objecto de estudo e são no fundo uma compilação de textos clássicos completada pelas suas reflexões.

Para todos os que se interessam por filosofia e alquimia Daoista, é fundamental conhecer a obra deste Homem tão importante na história Chinesa mas também do Daoismo.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Os 7 Imortais

                   Os 7 imortais

Conheça Ma Yu, Qiu Chuji, Bu er

O Dao e a minha caminhada alquímica - Post 07 - A separação da mente

Para quem se dedica à prática interna, a mente está sempre presente. Para alguns será tudo, para outros não. Dependerá sempre da visão única de cada um e se, sobretudo, se a visão é mais religiosa ou espiritual.
Considero de facto importante a forma como vemos as coisas, mas no final tudo são palavas, pois a Verdade é a Verdade e não há palavras que A possam descrever ou adulterar. Podem apenas afastar-se dela...

Para mim, neste período a mente tem quase toda a minha atenção. É nela que me centro na minha introspecção e análise.

Nos últimos meses ou anos tenho-me debatido sobre as diversas nuances da mente. Os pensamentos, as obsessões, as intuições e outras coisas estranhas com que nos vamos deparando no dia a dia como uma possível telepatia...

Tento ir analisando aquilo que vou percebendo e, sobretudo, decompondo para perceber se será real ou ilusório. Sim! Porque a mente prega-nos muitas partidas.

Porque há muitas coisas nas quais queremos acreditar e outras que abominamos. Isso tolda o nosso pensamento e molda as nossas conclusão em nosso benefício.

É crucial entendermos isto! É mesmo muito importante. Pois a verdadeira liberdade chega quando nos libertamos do maior carcereiro, NÓS!

É fundamental estarmos GENUINAMENTE comprometidos com a Verdade, porque muitas vezes Ela não nos é conveniente. Quando a nossa busca não é sincera, tendemos a mentirmo-nos a nós mesmos. É como nos encontrarmos numa corrente da qual não conseguimos sair. Quando parece que estamos quase a sair dela, eis que somos puxados de novo para o centro da mesma.

É então fundamental que nos entreguemos à busca da Verdade! Se queremos entrar verdadeiramente na prática interna este é um requisito! Caso contrário tudo não passa de uma ilusão.

Nesta fase das nossas vidas vivemos tempos muito confusos de pandemia em que as nossas liberdades parecem ser postas em causa. 
Exacerbam-se os extremos; aqueles que acham que deveríamos estar completamente isolados uns dos outros, parados e unicamente preocupados com o virus que nos assola e, aqueles que acham que isto não passa de uma "mise en scene" por parte dos grandes líderes mundiais com o propósito de nos controlar a todos. 

Não tenho qualquer interesse em debater o que estará certo ou errado, até porque creio que nunca encontramos a verdade nos extremos. O importante nestas tomadas de posição é, mais uma vez, cada um fazer o seu exercício e tentar discernir o que é realmente genuíno e o que é fruto do seu ego medos e paranoias. 

Dei este exemplo porque nas crises tudo se torna mais visível mas na verdade este tipo de comportamento tende a ocorrer diariamente. Esta fase é também um alerta para o que se passa connosco diariamente.

Dito isto, retomo o inicial… A mente é realmente um universo em si mesma. Contém ilusão, verdade, memória, medo e ambição, desejo e intuição. Quando começamos a prática interna são muitas as transformações que ocorrem. Para aqueles que já iniciaram a sua prática, saberão do que estou a falar. Para os que ainda não começaram posso dar uma ideia.

A prática produz SEMPRE alterações no corpo, essas alterações ocorrem de forma única em cada um pois cada um se encontra de forma particular. Mas de forma geral a prática interna produz uma diminuição das dores, aumento de flexibilidade articular, aumento de flexibilidade. Com o continuar da prática as alterações continuam a ocorrer, o sono melhora tornando-se mais profundo e reparador e as emoções começam a tornar-se mais brandas e a mente mais tranquila. Em todos os aspectos no nosso corpo as alterações permanecem de forma contínua, com altos e baixos, à medida que continuamos nesta caminhada. Há momentos em que tudo parece estar a desabar, quando na verdade, o que está a acontecer é a exteriorização de muitos desequilíbrios recalcados e bloqueados no nosso corpo. Essa é mais uma razão pela qual devemos seguir Um método e devemos estar certos do que estamos a fazer para não abandonar o caminho à minima contrapartida.

Nos últimos meses ou anos tenho-me debatido sobre as diversas nuances da mente. Os pensamentos, as obsessões, as intuições e outras coisas estranhas com que nos vamos deparando no dia a dia como uma possível telepatia...

Nos últimos anos tenho tentado "ler" as nuances da mente. O que se passa na minha mente. Os pensamentos e sensações. 
De onde vêm elas? 
Virão de mim ou são induzidas por outros? 

E o que sinto em relação aos outros, são preconceitos ou é efectivamente uma leitura do outro?

Estas perguntas, e outras, acompanham-me diariamente. Pouco a pouco começam a chegar algumas respostas.

Falo agora da minha experiência particular sem querer induzir ninguém a conclusões precipitadas baseadas na minha experiência particular.

Muitas dúvidas ainda neste percurso que muito lentamente me vai clarificando e retirando a névoa que possuo na mente. À medida que a percepção se vai desenvolvendo há uma espécie de sensibilidade que é na realidade muito objectiva e clara para quem a vive. 

Tenho concluído que foram muitas as vezes em que a "imagem" primária que tinha das pessoas com quem contactei se alteraram na maioria das vezes. O que é que isto me diz? Muitas das ideias mentais iniciais não passavam da tentativa infrutífera de analisar as pessoas, com base nos meus preconceitos. O tempo e a humildade veio a fazer-me ignorar estas "indicações" mentais dando liberdade ao surgimento de outras faculdades.

Outra coisa interessante é a forma como os pensamentos ou ideias surgem na nossa mente. É tão subtil que é praticamente impossível discernir a sua diferença. 

Tenho estado muito atento e vejo hoje que existem pensamentos que não possuem "a mesma origem". Quero com isto dizer que enquanto uns aparecem devido a um novelo de experiências passadas, influências de familiares e amigos ou coisas que vimos na internet ou TV; há pensamentos que parecem surgir de forma directa sem qualquer influência de qualquer ordem. Creio que este último tipo de pensamento se enquadra na Intuição. Uma forma de informação incorruptível e sem qualquer deturpação que não foge à verdade e por isso nos dá uma confiança inabalável e indestrutível. Mas a questão é ter a certeza de que esse pensamento é realmente um pensamento intuitivo.

*pensamento nem me parece a palavra mais correcta quando a tentamos relacionar com a intuição, pois o pensamento congrega reflexão e neste caso ela não existe.

Esta pesquisa irá certamente ocupar grande parte da minha vida, senão toda. Na realidade tudo acontece em simultâneo. Quando falamos de mente, falamos de corpo também. Quando nos debruçamos no corpo a mente também se altera e molda...

Esta é apenas uma partilha do que tenho vivido nos últimos anos e que em muito decorre das práticas que tenho feito.

Espero que não tenha sido muito enfadonho ;)

terça-feira, 21 de abril de 2020

O papel da língua na respiração



A língua é muitas vezes abordada na prática interna mas nem todos conhecem ainda a sua importância. O uso da língua nas práticas internas enquadra-se no estudo da respiração. A respiração é não só um processo essencial à vida humana como muito preciosa na prática interna. Todos os que praticam Nei gong, usam a respiração em seu benefício.

Sabemos que a língua exerce diversos efeitos durante os exercícios respiratórios (ver aqui) mas porquê?

Temos, como sempre, de analisar as teorias Daoistas, a Medicina Chinesa para poder entender o porquê.

Na medicina chinesa a língua é também um elemento fulcral na prática clínica. Isto porque é uma das formas mais importantes de diagnóstico. Mas porquê?


A língua tem uma relação profunda com os órgãos e com os canais energéticos. Em medicina chinesa explora-se essa ligação "dividindo a língua em zonas. A raíz da língua reflete o aquecedor inferior (região que se encontra entre a linha do umbigo e a sínfise púbica), a zona média, entre a ponta da língua e a raíz, representa o aquecedor médio (região entre a linha do umbigo e a apêndice xifóide). A ponta da língua representa o aquecedor superior, região entre a base do pescoço e a apêndice xifóide.

A língua representa por isso o corpo todo, essa razão já a torna importante mas há mais.
Na teoria de canais, é dito que existem 12 canais principais que são a extensão dos diversos órgãos e vísceras e 8 canais extraordinários (Qi Jing Ba mai), desses 8.
Estes 8 canais extraordinários antecedem a formação dos canais principais e são na realidade reservatórios de energia primordial Yuan-Jing. Eles podem então absorver excessos dos canais de energia dos Zangfu (órgãos e vísceras) como fornecer energia caso necessário. Na realidade são uma espécie de ponte entre os 3 Dantian e os canais de energia dos Zangfu, chamados de principais.

Du mai e Ren mai

Cada um destes 8 canais tem uma afinidade especial com determinadas regiões do corpo bem como canais de energia principais. 2 destes canais possuem pontos próprios e percorrem toda a região sagital do corpo definindo a esquerda e a direita do corpo, são eles o Du mai, vaso governador e Ren mai, vaso da concepção. Estes dois canais correspondem directamente ao Yin e ao Yang. Ren mai é também conhecido como mar do Yin enquanto Du mai o mar de Yang.
- Du mai inicia o seu percurso na região anterior do cóccix, ascendendo posteriormente pela linha sagital circundando o crânio até terminar na gengiva do maxilar superior.
- Ren mai inicia o seu percurso entre a genitália externa e o anús, na região do períneo e ascende anteriormente pela região sagital do corpo até à gengiva do maxilar inferior.

Du Mai e Ren mais partem de baixo separados pelo anús e ascendem no corpo por lados opostos até se encontrarem na boca, um no maxilar superior e outro no maxilar inferior.


Função da língua nas práticas internas

Neste momento creio que já estão a entender um pouco a função da língua em todo este mecanismo. Ren mai é o mar de Yin e Du mai o mar do Yang. Ambos, enquanto canais extraordinários contêm reservas importantes das energias primárias e essenciais à vida. A língua funciona aqui como um interruptor pois a sua raíz é no maxilar inferior, ligado ao Ren mai , e quando a ponta da língua toca no palato, maxilar superior, está a ligar na realidade o canal Ren ao canal Du. A ligação entre estes canais permite começar a promover a interação entre Yin e Yang como observamos no símbolo do Taiji. A interação entre Yin e Yang produz transformação, etc...

A língua integrada no processo respiratório

A língua tem então o papel de ligar estes canais, mas ligar não é suficiente. Duas estradas podem estar ligadas, mas se os veículos não se moverem, de nada serve. A respiração, que é estimulada no Dantian inferior (onde está reservada toda a energia Jing), é o motor que põe a energia em movimento e que irá possibilitar a mistura da energia entre os dois canais.
Portanto a língua integra, de forma activa, o processo respiratório sendo os dois interdependentes.
Acima falei que ambos os canais Du mai e Ren mai começam na porção mais inferior do tronco, um no períneo e o outro na região anterior do cóccix. Há outro ponto, estrutura ou zona que também é importante em todo o processo da respiração, esse é o períneo. Ele desempenha também um papel activo em todo este processo.

Em jeito de conclusão respiração, língua, períneo, e o Shen dependem todos uns dos outros para que o processo respiratório alquímico possa ter efeito.

A importância do períneo será explorada noutra publicação.








domingo, 19 de abril de 2020

Yu Di - O Imperador de Jade

Yu Di (玉皇) ou Imperador de Jade é uma das figuras mais importantes da mitologia Daoista. Comandante supremo do Céu é também considerado uma das entidades mais importantes das divindades Daoistas (Yuanshi Tian Zun).
Enquanto Imperador é considerado o primeiro, caracterizado pela sua benevolência, justiça e misericórdia foi uma referência para os Imperadores seguintes.

Ainda nos dias de hoje o Imperador de Jade desempenha um papel importante na vida social chinesa. No ano novo chinês diz-se que o Deus Yuanshi Tian Zun avalia o comportamento de cada cidadão durante o ano transato, castigando-o no caso de este não ter sido correcto.

O Imperador de Jade é casado com a rainha mãe Xiwangmu (西王母)e é dito que ambos tiveram muitos filhos, 3 filhas possuem uma posição elevada por entre as divindades Daoistas.

Zhu niang niang - Deusa que ajuda os casais na fertilidade. Protege a mãe como a criança.

Yen Kuang nian niang - Protetora dos cegos e pode provir o poder da visão para os que precisam

Zhi nü - É sobretudo conhecida por ter sido a divindade que se apaixonou por um ser mortal, de nome Niu Lang. Quando o Imperador de Jade soube, ficou firou-se e afastou-os permanentemente. Mais tarde por ver o sofrimento pelo qual a sua filha passava, decidiu permitir que eles se vissem 1 dia por ano. Esse passou a ser o Dia de "valentim" chinês. É um período em que todos os casais celebram o amor e o romantismo.

A origem de Yu Di

Existem várias histórias que divergem. Uma conta que Yu Di era filho de uma rainha que rezou para o seu nascimento, para que pudesse suceder ao trono do seu marido que estava doente. Assim que nasceu todos perceberam algo de especial sobre ele. Começou a andar e a falar de forma prematura e era muito paciente e bondoso para a sua idade. Assim que o seu pai morreu, o Imperador de Jade assumiu o trono e dedicou o tempo a ajudar os que mais precisavam e de assegurar a prosperidade de todos. Poucos anos depois e após concluir os seus objectivos, o Imperador de Jade abdicou do trono por não ver qualquer interesse em manter o poder.
Após abandonar o trono o Imperador de Jade dedicou o seu tempo a meditar e a estudar a filosofia Daoista. Após anos de estudo ele encontrou a iluminação e descobriu o segredo para a imortalidade, tornando-se num Deus importante.

Relação com os animais do Zodiaco

Um dia o Imperador de Jade enviou cartas a todos os animais do Reino, convidando-os a visitá-lo na corte. Os animais que apareceram, foram distinguidos como os animais do Zodiaco.

Diz a história que o Gato, tendo sido convidado à corte pediu ao rato que o acordasse para que não se atrasasse. O rato sabia que não havia sido convidado e que era considerado um animal repugnante. Não havia qualquer hipótese de ser convidado para a corte, então pensou numa outra forma. Em vez de acordar o Gato, ele decidiu ir na sua vez e assim obteve uma posição no Zodiaco.
Quando acordou, o Gato percebeu que já era tarde demais. Quando procurou o Rato para saber o que se tinha passado viu o que tinha acontecido. Desde então corre persegue o Rato para obter explicações.

Esta é a razão pela qual os gatos perseguem os ratos...

Cultura Popular

O Imperador de Jade é uma das divindades mais populares na China. Existem centenas de templos  espalhados pela Àsia dedicados a ele e quase todos lhe fazem referência.
O aniversário do Imperador de Jade acontece no 9º dia do calendário lunar. Esta celebração  é parte integral do ano novo Chinês (o evento cultural mais importante na China). Durante o ano novo chinês, as acções de todos são transmitidas ao Imperador de Jade através do deus Zao Jun, que vive na cozinha e testemunha tudo o que se passa dentro das casas. É então que o Imperador de Jade decide se a familia deve ser premiada ou castigada no ano que começa, em função do ano transato.
É comum as pessoas fazerem oferendas de doces a Zao Jun, seja para o "adoçar" ou para tornar a sua boca tão peganhenta que ele não consiga falar.
Durante o novo ano, os devotos fazem muitas oferendas nos templos para apaziguar o Imperador de Jade, para que este lhes possa bondoso no ano que se segue.
É dito que o Imperador de Jade tem o poder de intervir em qualquer problema ou necessidade que possamos sentir e por isso é importante não esquecer a sua celebração.

Uma das populares orações é a seguinte:

Ajude os doentes e todos os que sofrem, proteja os ermitas contra serpentes e tigres, os navegadores contra a fúria das ondas, os homens pacíficos contra os ladrões e bandidos! Afaste-nos de todos os contágios, lagartas e gafanhotos. Proteja-nos da seca, das cheias, do fogo, da tirania e da prisão. Liberte dos infernos o que lá estão atormentados... Ilumine todos os Homens com a doctrina que salva. Traga à vida o que morreu, e devolva o verdejante àquilo que já secou.


domingo, 5 de abril de 2020

A importância do corpo físico

Alguns, na busca da sua espiritualidade acabam ignorando a importância do corpo físico. Isto porque elevam o Espírito em deterimento da matéria.
Dao

Na óptica do Daoismo o corpo físico é também importante, para não dizer determinante no próprio processo alquímico. É-o porque ele possibilita a transformação da energia densa em energia subtil.

Há aspectos materiais que tendem a evaporar-se neste trabalho. As "necessidades" mundanas que sentimos muitas veczes como essenciais à vida, desaparecem. É por isso que o Homem que segue a via espiritual se desliga progressivamente da sociedade actual em que vivemos, mantém-se contudo presente.

 Podemos pensar que para alcançar a iluminação precisamos de meditar, meditar e meditar. Creio profundamente que é essencial, mas não chega. Temos vários exemplos de mosteiros onde foram desenvolvidas técnicas de exigência física para que os monges pudessem manter o seu corpo. Porquê?

Será que estavam preocupados em exibir um corpo musculado?

Será que faziam passagem de modelo para ver que era o mais belo?

Claro que não! Após horas e horas de meditação, os seus corpos tornavam-se debéis e adoeciam. E a doença não é compativel com a espiritualidade. Desenvolver o espírito, não obriga à negligência do corpo. Eu diria mesmo que apenas mantendo o corpo a verdadeira espiritualidade pode florescer. O que deve ser negligenciado são as "necessidades" em que o corpo tanto nos inquieta.

Ao manterem o corpo saudável e forte, os monges já podiam meditar sem dor, sem desconforto nem debelidades.

Claro que existem muitas correntes espirituais. Umas negligenciam por completo o corpo, outras não. Outras fazem ainda uso dos desejos carnais no trabalho espiritual.

Estou aqui a expressar a minha opinião e defendendo mais uma corrente do que a outra. Não tenho a veleidade de de dizer que as outras estão erradas, quero apenas tentar argumentar porque acho esta mais acertada.

Do ponto de vista Daoista podemos facilmente compreender o que quero dizer. Quando praticamos alquimia Daoista o objectivo é, claro está, alcançar o Dao. Transcender a dualidade e entrar em contacto com a unidade.

O Dao De Jing, de Lao Zi começa da seguinte forma:

O Dao que é pronunciado não é mais o Dao eterno;
O nome que foi escrito não é mais o nome eterno.
O inominável é o princípio do universo cósmico;

O Dao De Jing é um texto de estudo infinito. A sabedoria presente no texto é incalculável e apresenta diferentes camadas de profundidade. É por isso rídiculo determinar apenas um significado para um capítulo ou texto...

Dito isto, retiro deste texto o seguinte:

O Dao que é pronunciado não é mais o Dao eterno - A discriminação é efémera, a mente é incapaz de apresentar o Dao

O nome que foi escrito não é mais o nome eterno - O Dao não é traduzido por palavras, a tentativa de o descrever cria a ilusão

O inominável é o príncipio cósmico - O Dao é algo que nem conseguimos proferir pois, na realidade não o conseguimos entender.

Voltando agora à temática...

Dar prioridade ao desenvolvimento espiritual em deterimento do corpo físico diz-nos desde logo uma coisa... Discriminação, dualidade, separação logo não podemos alcançar o "Dao eterno"

Nós somos um só corpo, e só assim poderemos sonhar em alcançar o Dao, trabalhando para a Unidade

Então nem sequer se trata de cuidar do corpo e tratar da mente ou Espírito… Trata-se de cuidar de nós, de nos esquilibrarmos, de nos sublimarmos e de transformarmos o nosso Corpo numa substância mais etérea mais próxima do Dao.
Em alguns textos alquímicos é discrito inclusivé que a partir de determinado ponto de desenvolvimento o corpo muda de aspecto. Pois a transformação ocorre a todos os níveis.

Então;
a prática não tem hora
a prática não início nem fim
a vida é a prática

não se trabalha o espírito
não se trabalha o corpo
trabalha-se a integridade do corpo

só assim caminhamos para a unificação
apenas desta forma poderemos alcançar o Tai Ji
e enfim observar o Dao


Em jeito de conclusão dizer que não devemos desprezar o nosso corpo. Dar importância ao corpo não é ser-se materialista. Não tem nada a ver. Cuidar do corpo é cuidar da nossa casa, cuidar da parte Yin da nossa essência. Apenas equilibrando Yin e Yang podemos alcançar o Tai Ji. Apenas alcançando o Taiji poderemos observar o Dao.

Por alguma razão as práticas Daoistas conhecidas integram movimento, respiração… O objectivo é o da UNIFICAÇÃO! Não se pretende separar nada, qualificar nada… Apenas harmonizar, unir, congregar. E isto ocorre em todos os planos imagináveis e inimagináveis.

Esta é a beleza no Daoismo, a UNIFICAÇÃO! Na nossa vida isso reflete-se também com a libertação da crítica, no fundo da discriminação pois este príncipio afasta-nos do Dao.

O Dao que é pronunciado não é mais o Dao eterno

domingo, 29 de março de 2020

O Shen e os seus diferentes aspectos...

O Shen usualmente traduzido como espírito ou mente, em função do contexto é algo de complexo e nem sempre consensual. Mais uma vez, nada melhor que estudar o caractér…

神 - Este caractér é composto pro duas partes:

礻Shi, o radical e 申 Shen o que fornece a fonética…

O radical é uma parte do caractér importante pois direcciona o seu sentido, comanda a ideia (na maioria das vezes). Shi é traduzido como culto, o que revela desde logo algo de metafísico com intenção espiritual.
Shen por sua vez pode ainda ser decomposto em dois, sendo 田 Tian o seu radical e que simboliza o terreno, o corpo. Shen pode traduzir-se como fazer uma declaração, explicar, ligado à expressão humana.

Shen o caractér que é traduzido claramente como Deus, divindade, misterioso, essência divina o ser espiritual.

Podemos então claramente entender o porquê da tradução comum de 神 Shen. Em medicina chinesa é muitas vezes traduzido como mente, o que parece ser incorreto ou insuficiente.

O que é certo é que Shen parece ser algo de misterioso que habita em nós, a divindade. Na medicina chinesa diz-se que o Coração alberga o Shen e que o sangue o sustém (o Yin).
No trabalho alquímico o grande objectivo é transformar a essência em Shen mas como?

Existem muitos princípios a respeitar, alguns deles vão sendo abordados aqui e ali, mas algo que é muito importante é, o Shen, ou pelo menos uma parte dele

Para que o trabalho alquímico seja real e por isso eficaz, devemos fazer uso da mente (que não é Shen mas apenas uma parte) devemos usar a nossa atenção/percepção, concentração, intenção… e é aqui que encontramos outros termos como Yi, Ting...

Na medicina chinesa, segundo o principio dos 5 movimentos (Wuxing) considera-se que para cada movimento está associado um órgão e para cada um dos 5, um Shen; Zhi, Yi, Po, Hun e Shen propriamente dito

Zhi está associado à coragem à vontade, Yi é geralmente traduzido como reflexão ou ponderação. Po é o espírito "inferior" que nos agarra à vida, Hun a alma "etérea" que nos liga ao divido e Shen o comandante sopremo mas que aqui pode estar, segundo a Medicina Chinesa, ligado ao intelecto...

Aqui há um olhar diferente sobre Shen, uma discriminação criando 5 subtipos. Estes termos ou aspectos do Shen são muitas vezes abordos na alquímia Daoista..

Mas podemos discriminar ainda mais… Po tem 7 aspectos. Sun Si Miao um notável médico chinês da Dinastia Tang elaborou uma terapêutica de acupunctura para o tratamento das desordens dos "7 Po´s"

O objectivo desta publicação é apenas dar umas luzes sobre o conceito de Shen e motivar os interessados a investigar mais. A lingua chinesa é sincrética e exige abertura, flexibilidade e conhecimento para que possamos entender um pouco mais o que os antigos queria transmitir.

Relembro que na alquimia Daoista o propósito é cultivar o Shen.

Devemos primeiro preservar o Jing e nutri-lo. Depois e através de um método próprio transformá-lo em Shen.

Nos dias de hoje, circula muita informação de como fazer isto e aquilo. O problema reside no consumo… Sim porque o que interessa é dar o que as pessoas querem e não o que precisam. Em alquimia isso pode levar à doença e à morte. Se a prática não for correta o corpo não irá beneficiar, muito pelo contrário. São inúmeros os casos de pessoas que se deram mal com as práticas erradas.

Reforço por isso, mais uma vez, a ideia de que devem seguir um método. Fazer o que têm de fazer no tempo certo e não fazer o "que sabe bem". Quem quer realmente cultivar o Shen, transcender-se, precisa de um método.


sexta-feira, 20 de março de 2020

O tempo do ermita...

No Daoismo procuramos a unidade, a transcendência do mundo dual, o abandono da ilusão e o encontro com a realidade suprema.

Neste momento estamos a viver uma fase de grande sofrimento, o medo e a ansiedade crescem em função das notícias desta pandemia que está a afectar o mundo inteiro. Estamos centrados no poder destrutivo deste ser vivo que está em franca prosperidade.

Sim, todos temos de tomar as medidas recomendadas, fazer de tudo pela nossa saúde e pela saúde de todos os que nos rodeiam. Sim temos de ser uma verdadeira comunidade.

Esta pandemia está a alertar-nos para a importância de modelarmos o nosso comportamento também pelos outros, obrigando-nos a abandonar o individualismo em que a sociedade moderna vive.

Este é um aspecto da experiência recente.

Mas há mais!

Um pouco por todo o mundo, foi-nos pedido por segurança, ficarmos o máximo em casa ou em locais isolados. 
Hoje o planeta agradece e respira como há muito não o fazia...

Neste tempo em que somos Ermitas forçados, devemos aproveitar a situação para nosso favor. Devemos aproveitar, de forma produtiva o facto de estarmos com mais tempo, para o tornar útil!

E o que vamos fazer? 
Bom este é um blog sobre Daoismo :) então… Vamos praticar!!!

Hoje temos ou não temos tempo para a nossa introspeção? Para respirarmos, Para movermos o nosso corpo de forma integral?

Segue aqui a minha humilde recomendação, para TODOS os dias

Ao acordar - Desbloquear todo o corpo para que o Qi circule e que possamos eliminar a estagnação espalhada pelo corpo. Neste momento é importante aquecermos os músculos e alonga-los. Devemos também aumentar a mobilidade das nossas articulações.
Se quisermos fazer ainda mais, recomendo o estilo Yi jin jing ou estiramento de canais, neste último poderei ser-vos útil se assim desejarem...

A meio da manhã - Devemos fazer alguns exercícios para regularizar as funções básicas do Qi no corpo. Existem vários deixo aqui um...



Após o almoço - O ideal a seguir ao almoço é repousar, deixar o corpo digerir, transformar e absorver. Devemos aproveitar este momento para ensinar a nossa mente a escutar o que acontece dentro e a ignorar o que acontece fora. Um excelente treino meditativo. Verão, que a digestão não só será mais rápida, como muito mais produtiva (melhor assimilição produzindo mais energia, melhor saúde)

Para quando a digestão terminar
Praticar um estilo de Qi gong à vossa escolha. Para quem não conhece nenhum o Baduanjin deve ser escolhido (mais uma vez para quem desejar poderei ser-vos útil).

A meio da tarde recomendo então começar o treino meditativo. 

Comecem pela postura de Wuji


Passem então para a meditação...



É importante criarmos rotina e disciplina. É importante praticarmos TODOS OS DIAS, não interessa se um dia fiz 1 hora de Qi gong e 2 horas de meditação se nos restantes não fiz nada. A prática é para o nosso corpo como um construtor para um obra. É no dia a dia que se vai construindo e transformando a obra, seja esta o nosso corpo ou um lindo edifício.

Já agora, esta é também uma forma preventiva extraordinária! Não apenas para o problema que vivemos actualmente como para tudo de uma forma geral. Se é a panaceia? Não creio, mas na realidade se melhorarmos a condições internas do nosso corpo, estamos a potencia-lo. Estamos a torna-lo mais forte, mais resistente. Então estamos mais saudáveis, estão à espera de quê? ;)

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

A importancia da prática Zhan Zhuang (站桩) no cultivo interno

Antes demais, é sempre importante analisar o termo indo directamente à fonte

站桩 ou Zhan (站) Zhuang (桩) é o termo usado para a pratica de posturas estáticas

站 - Significa ficar de pé, parar. É composto por dois caracteres
         立- Li que significa entao ficar de pé ou "deixar ficar em pé" (termo especialmente interessante neste tipo de práticas
         占 - Zhan. Percebemos aqui que o segundo caracter tem especial influencia na fonética. Contudo significa, ocupar, adivinhar, tomar posse...

桩- Zhuang significa, item, negócio, acumular. este é também composto por mais dois caracteres;
        木 - Mu madeira, árvore, também associado ao crescimento, transformaçao
        庄 - Zhuang que significa vila, quinta. Está especialmente associado à fonética

Enquanto no primeiro caractér há o sentido obvio de postura estática (caractér Li), havendo contudo uma nuance de movimento imaterial (Zhan - comportamento psíquico activo de tomar posse, adivinhar, ocupar…); o segundo caracter importa a noção de transformaçao

A importância da prática estática no Qi Gong e Taiji

Para quem já pratica Qi gong e Taiji há algum tempo certamente que já ouviu falar da postura da árvore, da postura Wuji, etc... Existem muitas práticas estáticas, algumas são mais conhecidas que outras.
Quando praticamos seriamente adquirimos um método de prática. Esse método consiste, normalmente, num estilo de Qi gong/Taiji. No caso da prática de Qi gong um estilo é normalmente um conjunto de exercícios que se completam e permitem a pessoa evoluir de forma estruturada naquele estílo. Na prática de Taiji o estilo é o Yang, Chen, Wu, Hao… sendo que cada um possui variantes… Na prática de Taiji normalmente fazemos uso da prática de Qi gong para completar o treino pois a prática da forma necessita, regra geral, ser enriquecida por outras práticas.

Dito isto, a postura estática é uma prática comumente vista quer no Qi gong como no Taiji. Alguns estilos de Qi gong nao apresentam posturas estáticas como alguns praticantes de Taiji nao treinam a postura estática regular. Contudo os estilos/práticas que apresentam estas posturas são mais ricos e dao frutos a médio longo prazo

é necessário ter atenção e praticar um estilo de forma integral e nao um somatório de exercícios "pescados" aqui e ali só porque gostamos deles. As consequências podem ser nefastas com uma certeza, o que praticamos nao terá um alcance particular

O propósito da prática estática
Quando praticamos as posturas estáticas temos um propósito específico, cultivar a energia. De forma geral este treino aumenta a energia disponível no corpo, embora cada postura estática apresente variantes no que diz respeito aos objectivos que apresentam.
Praticada de forma regular, estas posturas permitem encher o campo do cinábrio (Xia Dan tian) o que altera desde logo o nosso estado de saúde. Para quem pratica de forma verdadeiramente interna, é essencial adoptar este tipo de prática.

Em jeito de conclusão, enquanto que as posturas dinâmicas do Qi Gong e a forma do Taiji, poe a energia disponível em circulação, a postura estática aumenta-a no nosso corpo

Portanto quanto mais energia tivermos, mais circula.

Quanto mais energia a circular, mais os nossos órgãos são nutridos, logo melhor funcionará o nosso corpo, mais saúde. 

Com as práticas apropriadas, será, depois, possível sublimar essa energia para aumentar o estado de consciência, alquimia interna

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Sobre as energias

Boas e más energias...
Positivistas e negativistas...

Haverá realmente uma "boa energia ou má"?

Serão opostos os positivistas e os negativistas ou serão iguais, ambos iludidos com uma perspectiva da realidade...

Aquele que busca a verdade presta atenção à dualidade e não se deprime com o mau nem se excita com o bom pois ambos coabitam permanentemente...
Isto porque a verdade não é dual, não é passivel de ser fragmentada nem divisível. A verdade não é subjectiva nem temporal

A razão pela qual escrevo esta reflexão é simplesmente pelo que vou ouvindo ao longo destes anos.

Por viver mergulhado nas artes chinesas, as pessoas tendem a falar de determinadas coisas comigo. 

Entre muitos temas, o da "energia"... Ah aquela pessoa tem má energia, aquele sitio tem boa energia. Vou meditar àquela hora porque a energia é boa, ou não como aquele alimento porque a energia é má...

Esta mentalidade ou forma de ver a realidade sempre me intrigou. Não sou ninguem para considerar o que quer que seja, mas tomo a liberdade de reflectir nos assuntos que me são dirigidos. 

Vamos fazer um exercício...

Se há alguem da nossa familia que tem "má energia" e que por isso nos é nefasta, o que vamos fazer? Vamos-nos afastar dessa pessoa para nos preservar, ignorando o que possa vir a acontecer com ela ou, vamos tentar participar na sua transformação para que ela passe a ter uma "boa energia"?

Outro exemplo

Há dias uma vizinha perguntou-me o que eh achava de determinado local para meditar pois ela achava que o local tinha muito boa energia. Queria saber o que eu sentia... Anui pois ela queria apenas uma confirmação do que já tinha pré-determinado, aliviando um tema que seria dificilmente esclarecido. Isto porque o local, no meio da natureza (calmo, com claridade, de de uma beleza natural inestimavel) era na realidade um bom local, mas para a minha pessoa não o ideal para a meditação por ser uma clareira num caminho de passagem. Má energia? Para mim nada disso! Apenas um obstáculo para a minha propria busca da tranquilidade.

O que para a minha vizinha era bom, para mim não era de todo o ideal.

Após anos de ouvir opiniões das pessoas em "dialeto energético" tenho vindo a entender que mais se trata de uma projecção dos preconceitos e crenças de cada um, do que da efectiva qualidade energética daquilo.que classificam

Se nos debruçarmos nos textos filosóficos, alquímicos e sagrados veremos que em última análise procuramos sempre o equilibrio entre uma qualidade e a outra para que estas se tornem indistintas e formem uma unidade ultrapassando assim o mundo dual. Nunca é negligenciada uma polaridade em deterimento da outra, nunca é considerado que devemos evitar, ostracisar, negligenciar, a polaridade que nos gera desconforto ou aversão. Pelo contrário! O que nos gera desconforto mostra algo sobre nós mesmos, algo que não esta em equilíbrio e que sobressai quando confrontados em certas situações.

Então aquele que busca a verdade ou realização, vai unir e não separar. Por isso é dito "dar a outra face" é dado o exemplo dos sábios a viver no mundo ordinário. 

Aquele que separa nunca poderá encontrar a verdade pois esta aglomera as diferentes qualidades existentes.

Cada um de nós percorre o seu proprio caminho, cheio de buracos, desvios e outros obstáculos. Cabe a cada um de nós ter a capacidade de manter o foco no nosso destino, e caminhar de forma humilde mas determinada