O Daoista é frequentemente visto como uma pessoa que vive à margem da sociedade e que não se integra nela. Na realidade o Daoista vive focado em si mesmo, ele procura no intimo do seu ser, conhecer, sentir e obter consciencia da sua plenitude. Por isso ele não perde tempo a analisar os outros, nem em tarefas improdutivas, nem se desgasta no trabalho para poder adquirir bens efémeros.
Uma das buscas internas é a de encontrar comportamentos, pensamentos e sensações relacionadas com Wu Zheng. O trabalho interno dura muitas vezes, uma vida inteira pois se a nossa consciência é grande, muito maior é a nossa inconsciência (região desconhecida e que influencia todo o nosso padrão psico-físico).
Um erro comum, com o qual tenho deparado e que também tenho observado em outros, é o de crer que as transformações se conquistam. Se há algo que podemos aprender no Daoismo, é que nada permanece imóvel, assim nos explica o símbolo do Tai chi. Tudo é dinâmico, se nascemos temos forçosamente de morrer, se somos saudáveis termos obrigatóriamente de adoecer em qualquer momento, etc.
Por exemplo, é normal em qualquer praticante de Qi Gong, Tai Chi e/ou meditação, adquira tolerância. É uma das muitas transformações possíveis com estas práticas. Se alguém pensar que depois de obter este estado de espírito nada mais precisa de fazer para se manter assim, terá uma grande desilusão. O Qi Gong, Tai Chi e/meditação permitem equilibrar o corpo energéticamente potenciando todos os mecanismos naturais de desintoxicação e metabolização (física, emocional e mental), levando naturalmente a um estado de consciência que nos permite ser tolerantes. Se deixarmos de ter este tipo de práticas (ou outras possíveis), o nosso corpo tenderá a adquirir outra condição energética. Muito possívelmente voltaremos a sofrer de picos emocionais tais como, ira, cíume, impaciência, ansiedade...
Ao conhecer esta realidade, o Daoista vive atento a si mesmo, mantendo-se sempre em equilíbrio com o Universo. Desconhecer este príncipio é um grave erro que irá impossibilitar qualquer um de atingir o Dao.
Explicado isto, partirei para aquilo que considero ser o Wu zheng interno (como já tive oportunidade de escrever na primeira parte, esta designação é minha e não corresponde a nenhum conceito Daoista que tenha até à data encontrado).
É comum, quer seja por educação ou influência externa, nos querermos sentir úteis, competentes, capazes e melhores (muitas vezes que nós próprios).
Será que quando pretendemos atingir um resultado, quando queremos ajudar alguém, não estaremos a competir com as nossas capacidades, a nossa natureza? vou explorar estes dois exemplos;
- Imaginemos que sou desportista. Sou competente e pratico de forma disciplinada e aplicada diariamente. Em algum momento decido que tenho de atingir uma marca, vamos dizer um recorde pessoal. Tenho conseguido de forma progressiva e esforçada evoluir, mas decidi que tenho de atingir uma marca exigente para me ultrapassar e continuar a sentir motivado. Este é um exemplo em que estou a competir entre aquilo que sou e o que quero vir a ser.
- o segundo exemplo é mais traiçoeiro de explorar, darei o meu melhor. Alguns de nós sente necessidade de ajudar os outros, mesmo quando estes não pedem para ser ajudados. E será que o fazemos pelo outro ou por nós? será pelo bem do outro, ou será que ao "ajudarmos" não nos estaremos a sentir melhor connosco mesmo? Estamos, muitas vezes, a medir forças com o nosso ego, a competir com ele. Estamos a provar a nós mesmos que somos melhor do que aquilo que dizem de nós ou até mesmo do que nós pensamos ser.
Antes de continuar quero pegar no segundo exemplo, o da ajuda, para esclarecer uma coisa. Na Daoismo não se cultiva o individualismo, muito menos o egoismo. Neste sentido há compaixão, o dever de ajudar quando a ocasião se manifesta.
Considera-se uma grande diferença em ajudar porque se quer e ajudar porque é necessário. Uma forma mais simples de entender esta diferença é entre alguém que ajuda que lhe é pedido, ou se por outro lado ajuda quando acha que deve ajudar. No primeiro caso estamos a responder apenas a um pedido, no segundo estamos a intervir na vida de alguém pensando que o estamos a ajudar (o que pode acontecer ou não). Este tema podia ser explorado mais exaustivamente, mas não é o propósito desta publicação. Vou apenas referir que aqui se pode aplicar também o princípio da não acção (wu wei).
Estes exempos referidos servem para nos trazer à consciência das possíbilidades existentes da manifestação de wu zheng, nos nossos pensamentos ( que se podem ou não refletir em acções).
Quando meditamos em Wu zheng, primeiro deixamos de competir com os outros, e mais tarde connosco. Primeiro eliminamos os comportamentos, mais tarde transformamos os nossos pensamentos e sentimentos. É fácil controlarmos aquilo que fazemos, é mais difícil seleccionarmos o que pensamos... No Daoismo acreditamos que com uma prática meditativa contínua, podemos limpar a nossa mente por forma a termos um pensamento mais claro e focado, menos disperso e anárquico.
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